terça-feira, 1 de novembro de 2011

Cemitérios e seus túmulos: igualdade, nem na morte

"Algumas sepulturas como se olhavam com afeto e se queriam aproximar; em outras, transparecia repugnância por estarem perto. Havia ali, naquele laboratório de decomposições, solicitações incompreensíveis, repulsões, simpatias e antipatias; havia túmulos arrogantes, vaidosos, orgulhosos, humildes, alegres e tristes; e de muito, ressumava o esforço, um esforço extraordinário, para escapar ao nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às fortunas."
                                                              Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma

Dizem que na morte somos todos iguais. Abaixo do nível do solo, pode até ser, mas acima dele, nem sempre.
Aqueles cujos corpos eram, no Período Colonial, e mesmo mais tarde, inumados em igrejas, muitas vezes ali permaneciam anônimos, ou apenas com uma discreta identificação. A ideia era estar, mesmo na morte, perto de parentes e amigos, sob os cuidados da comunidade de fé de quem se esperava a intercessão, através de missas contínuas. Poucos, muito poucos, quase sempre figuras importantes da vida civil ou religiosos de destaque, recebiam nas igrejas uma menção notável quanto ao local de seu sepultamento. Esse quadro, no entanto, iria mudar rapidamente, à medida que sepultar mortos em cemitérios e não mais em igrejas tornou-se a regra.
Quem quer que caminhe por um desses cemitérios cujos primeiros "habitantes" iniciaram a ocupação do terreno em meados do século XIX logo verificará que reina ali grande desigualdade. Túmulos da nobreza imperial, edificados com materiais de alta qualidade e, por isso, dispendiosos, destacam-se em meio à vastidão de modestas sepulturas. Alguns ocupam apenas pequenos nichos nas paredes, outros ainda, sepultados anonimamente em jazigos coletivos, recebem nos registros o rótulo de "indigentes". Tanto quanto na vida as cidades, os cemitérios tornaram-se, na morte, um reflexo da sociedade.
Tudo o que foi dito contribui para explicar um fato notável em regiões do Brasil nas quais a imigração tornou-se um fenômeno marcante a partir da segunda metade do século XIX. É que famílias de imigrantes, ao adquirirem um certo bem-estar econômico, apressavam-se a construir, para seus falecidos, túmulos imponentes, dando lugar ao desenvolvimento da chamada arte tumular - não se tratava apenas da escolha de material adequado, a questão podia envolver até projeto arquitetônico e escultura. Nesse caso, um túmulo podia expressar consideração e respeito pela pessoa falecida, mas podia ser também um fator de afirmação social por parte daqueles que, tendo vindo ao Brasil para trabalhar, consideravam-se vencedores na luta pela vida. Era, em última análise, uma proclamação silenciosa, ainda que não menos pública, do sucesso alcançado, tanto pelo morto como por sua família. Mais uma vez, os cemitérios espelhavam a sociedade e as mudanças que nela andavam a ocorrer.


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