Firmado entre Portugal e Espanha, o Tratado de Tordesilhas (1494) foi, desde sempre, descumprido, como já se disse na postagem anterior, tanto pelas próprias partes acordantes como por quem não fora incluído nessa "partilha do mundo". Assim, o governo português, ainda que sumamente envolvido com as questões na navegação das Índias, precisou logo entender-se também com o problema da presença de contrabandistas, em especial do precioso pau-brasil, ao longo da costa da então chamada Terra de Santa Cruz. Não havia, para isso, muitas alternativas, desde que se pretendesse conservar para Portugal a posse de terras na América.
A chamada Expedição de Martim Afonso de Sousa, enviada a mando do rei D. João III, que percorreu o litoral brasileiro entre 1530 e 1532, não foi, muito provavelmente, a primeira no gênero, já que muito antes várias expedições, geralmente financiadas por particulares, tiveram permissão oficial para vir ao Brasil buscar madeira e outras mercadorias. Foi, entretanto, a primeira, ao que se sabe, a dar uma ideia mais completa do que era toda a extensão da costa do Brasil, extensão que, para as possibilidades de colonização de um país pequeno, como Portugal, devia parecer monstruosa.
Como existe dessa expedição o Diário da Navegação, anotado por Pero Lopes de Sousa, irmão do Capitão Martim Afonso de Sousa, sabemos que, desde logo, evidenciou-se que franceses estavam "fazendo a festa", ao estabelecerem relações comerciais com vários grupos indígenas, fato que possibilitava chegar, carregar pau-brasil e sumir, em seguida, na vastidão do oceano, rumo à Europa. As poucas embarcações francesas que eram abordadas por portugueses eram, sem sombra de dúvidas, apenas uma pequena fração da totalidade que fazia o contrabando, se quisermos assumir aqui o ponto de vista lusitano na questão.
É possível ler no Diário da Navegação algumas informações bem interessantes do que ocorria quando uma embarcação francesa era vista a uma distância suficientemente curta para ser abordada:
"Como fomos dela um tiro de bombarda se meteu a gente toda no batel e fugiu para a terra. Mandou o capitão a Diogo Leite, capitão da caravela Princesa, que fosse com seu batel após o batel da nau; quando já chegou a terra, era já a gente metida pela terra dentro, e o batel quebrado. Fomos à nau, e nela não achamos mais que um só homem: tinha muita artilharia e pólvora, e estava toda abarrotada de brasil."
Daí por diante o Diário vai mencionando vários outros desses encontros, dos quais, vez por outra, resultava uma pequena batalha no mar. Mas os franceses iam além, não se restringindo a fazer comércio com os nativos. Ousavam atacar feitorias já estabelecidas por portugueses, como se vê neste relato:
"... e me disseram que foram ao rio de Pernambuco, e como havia dois meses que ao dito rio chegara um galeão de França, e que saqueara a feitoria e que roubara toda a fazenda que nele estava de el-Rei nosso senhor."
Um fato curioso, no entanto, é que, neste tempo, ao menos ao longo da costa do Brasil, reinava alguma solidariedade entre portugueses e espanhóis, quando eventualmente vinham a encontrar-se, talvez porque não se soubesse, exatamente, por onde passava a tal linha de Tordesilhas... Tanto assim, que Martim Afonso mandou seu irmão e vários outros navegantes a explorarem a foz do Rio da Prata, o que nos faz crer que o propósito fosse, em última instância, bisbilhotar sobre alguma rota para as riquíssimas minas de prata que, sabidamente, estavam em território espanhol - uma evidência de que as questões de limites e de quem seria dono de que parte da América estavam muito longe de uma solução. Como se sabe, esse assunto ainda duraria séculos, persistindo mesmo após a independência das possessões coloniais na América do Sul.
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