domingo, 30 de janeiro de 2011

O jogador de futebol ideal

Como você definiria o jogador ideal para o seu time de futebol?
A minha opinião é que deveria ser alguém com absoluta perfeição nos fundamentos, grande habilidade com a bola e excepcional capacidade atlética. Deveria, além disso, ser capaz de cooperar plenamente com o restante da equipe, mantendo, contudo, a audácia para agir individualmente quando necessário. Seria preciso também inteligência para compreender perfeitamente as instruções do treinador, aliada à lucidez para adaptá-las às situações inesperadas que se apresentam durante as partidas. Que tal?
Pois bem, leitor, em 1919 uma senhorita também pensou em um jogador ideal, mas suas ideias eram bem diferentes das minhas. Descrevendo-se como "torcedora do Paulistano", escreveu:
"Um jogador de foot-ball, para ser querido, deve: defender com galhardia as cores do seu team como o Sérgio; ser simpático como o Mário; possuir a pose do Carlito; ser atraente como o Rubens; engraçado como o Zito; chic como o Orlande; bonzinho como o Arnaldo; possuir os sedutores olhares do Cassiano; ser delicado como o Agnelo; espirituoso como o Ferreira; e ser campeão como Friedenreich." (*)
Como se vê, não eram propriamente as valências esportivas que estavam em questão. Mas, nesse Brasil repleto de imigrantes do começo do século XX (como bem o denúncia a lista de nomes apontados), o futebol andava a encantar multidões de pessoas, que tinham razões muito diversas para comparecer aos estádios. Que o diga a leitora de A Cigarra que escreveu o trechinho acima.

(*) A CIGARRA, 1º de Dezembro de 1919.

 
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Enchentes no Brasil Contemporâneo - por que continuam a ocorrer?

"Em face desses transes solenes, desses cataclismos da natureza, a alma humana sente-se tão pequena, aniquila-se tanto, que se esquece da existência; o receio é substituído pelo pavor, pelo respeito, por essa emoção que emudece e paralisa.
[...]
A tempestade continuava ainda ao longo de toda a cordilheira que aparecia coberta por um nevoeiro escuro; mas o céu, azul e límpido, sorria mirando-se no espelho das águas."
José de Alencar, Guarani

Áreas alagadas pelo transbordamento
do Rio Atibaia 
em 13 de janeiro de 2011
Não é de hoje que sonhamos controlar as chamadas "forças da natureza". Terremotos, erupções vulcânicas, avalanches, tsunamis e chuvas torrenciais são causa frequente de medo e preocupação. Não se pode dizer, no entanto, que a humanidade não tem já alcançado algum sucesso, ainda que modesto, nessa empreitada. Já vão longe os tempos em que a maioria das pessoas, diante de fenômenos então inexplicáveis, atribuía sua origem à fúria de deuses irados. A questão é que hoje, se não podemos ainda evitar cataclismos, ao menos podemos prever, até certo ponto, sua ocorrência, de modo a adotar medidas preventivas no sentido de reduzir as vítimas fatais.
Por que, então, em casos como o da recente tragédia na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, ainda ficamos a olhar, estarrecidos, perguntando-nos sobre alguma razão maior por trás da natureza em fúria?
Há muito que observar, mas algumas considerações tornam-se inevitáveis:
a) Se, por um lado, todo o avanço científico e tecnológico ainda não nos confere a capacidade de controlar a natureza como gostaríamos, adquirimos, por outro, uma incrível capacidade de gerar destruição por nós mesmos, afetando fenômenos cujas causas ainda não compreendemos perfeitamente;
b) No caso específico do Brasil, a ausência de planejamento urbano em larga escala tem levado à ocupação indevida de áreas que, a despeito de toda a beleza natural, jamais deveriam servir para habitação;
c) Ainda no caso do Brasil, a ausência de continuidade em projetos de monitoramento, prevenção e redução de danos em casos de catástrofes naturais cobra um preço elevadíssimo a cada ano - a sequência de inundações quase sempre acompanhadas de deslizamentos de terras e rompimento de barragens (o tipo de catástrofe natural mais comum no País) no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em Angra dos Reis e adjacências, na Região Nordeste e agora na Região Serrana do Rio de Janeiro nos mostram a urgente necessidade de trabalho árduo no sentido de assegurar recursos e pessoal qualificado para minimizar o potencial destrutivo de eventos que não podem ser evitados;
d) O Brasil carece desesperadamente de investimentos maciços em infraestrutura, não apenas para substituir aquilo que envelheceu, mas principalmente para atender de forma satisfatória à demanda que se impõe para os próximos trinta a cinquenta anos, levando-se em conta as curvas de crescimento populacional - isso significa que investimentos na área devem ser prioridade, ainda que outros, mas "vistosos" do ponto de vista eleitoral, precisem ser postos de lado;
e) Vindo por último, mas nem por isso menos importante, é preciso combater com o rigor da lei toda e qualquer atitude do tipo "vamos deixar para amanhã". As centenas de vidas ceifadas nas recentes tragédias clamam contra a maldita procrastinação que, desde os dias coloniais, insiste em ser frequente na administração pública. É urgente a necessidade de administradores responsáveis, capazes e verdadeiramente comprometidos com o bem-estar da população.
Pode parecer chocante, mas Auguste de Saint-Hilaire (²), descrevendo suas viagens entre 1821 e 1822, escreveu a respeito das obras públicas no Brasil:
"Começa-se qualquer empreendimento útil, para logo ser interrompido e abandonado. Às vezes um serviço ordenado pelo governo e que se poderia acabar em pouco tempo, e com despesas mínimas, jamais termina, embora nele se trabalhe sempre."
Foi em 1821. Mas, em alguns casos, bem poderia ser hoje...

(1) Deserto, neste caso, refere-se a uma área completamente desabitada, e não um lugar árido.
(2) SAINT-HILAIRE, Auguste. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 17.


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Grandes inundações no Egito Antigo e na Mesopotâmia

Para os povos nômades do passado que procuravam um lugar para se fixarem, um fator indispensável à sedentarização era encontrar um suprimento confiável de água. Só com água suficiente a agricultura podia ser praticada e, assim, compreende-se facilmente que as primeiras civilizações tenham se estabelecido às margens de rios. Isso vale para quase todos os povos que conhecemos, embora alguns, por sua relação com as bases do que viria a ser o mundo ocidental, sejam mais conhecidos que outros.
Tente, por um instante, imaginar o Egito sem o Nilo - percebe-se que, sem a presença do rio, a civilização egípcia teria sido, ao menos, muito diferente, embora seja arriscado usar a palavra "impossível", uma vez que a História da humanidade está repleta de realizações quase inacreditáveis. E, embora seja difícil acreditar em tudo o que relatou Heródoto, sua descrição das práticas agrícolas do antigo Egito dão-nos ao menos uma ideia do que de fato ocorria. Diz ele:
"Eles não têm o trabalho de abrir e fazer sulcos na terra com arado, nem de roçar o que semearam, nem de realizar nenhum outro trabalho como fazem os demais lavradores em cultivar suas plantações, já que, transbordando o rio sem qualquer ação humana e retirando-se as águas dos campos depois de regá-los, o trabalho é resumido a que cada um lance as sementes, deixando nas terras os rebanhos para que as sementes sejam cobertas ao serem pisadas. Depois disso, todos esperam tranquilamente até o tempo da sega, que é debulhada pelos mesmos animais e recolhida, dando-se por acabada a colheita."
Não, o mundo não era perfeito para os egípcios - só para começar, havia anos em que as cheias do Nilo quase não aconteciam (o que significa geral falta de alimentos). Além disso, graças à presença do rio, e como o próprio Heródoto assinalou, a região toda era repleta de algo que dá calafrios em qualquer um, ou seja, nuvens e nuvens de mosquitos!
Também os mesopotâmios buscaram estabelecer às margens de rios (o Tigre e o Eufrates, nesse caso), de modo que o nome que hoje lhes atribuímos (herança dos antigos gregos) é uma contínua lembrança desse fato (*).
Ora, leitor, ter os benefícios de água abundante tinha, também para os mesopotâmios, as suas inconveniências. Sem poderem contar com as inundações benéficas como as que tinham os egípcios, precisam estar preparados para... as maléficas. Isso sabemos pelo que diz o Código de Hamurabi. Quer ver?
"Se alguém for tão preguiçoso a ponto de não conservar seu dique (barragem) em condições satisfatórias, e se o dique se romper e os campos forem inundados, o responsável deverá pagar o cereal que foi danificado.
Se ele não puder substituir o cereal danificado, ele e suas propriedades serão divididos entre os agricultores cujo cereal se perdeu."
Desses dois pequenos artigos do Código o que deve ser entendido é:
a) os mesopotâmios construíam algum tipo de obstáculo ou barragem, com a finalidade de impedir que a água do rio, que era muito útil para a agricultura, viesse a ser um problema, em caso de inundação;
b) Cada agricultor era responsável pela conservação dessa barragem na área que lhe correspondia;
c) Se, por preguiça, a barragem não era devidamente conservada, em caso de ruptura desse obstáculo e consequente inundação dos campos, ficava o responsável inteiramente obrigado a pagar o dano causado;
d) Finalmente, na hipótese de que não pudesse pagar, seria vendido como escravo e suas propriedades seriam confiscadas para indenizar os agricultores prejudicados.
Que fique claro - não estou propondo termos exatamente iguais nas leis modernas - mas diante do quadro atual de transbordamento de rios, deslizamentos e perda de vidas, não posso deixar de admirar a capacidade que tinham os antigos mesopotâmios em punir adequadamente os verdadeiros responsáveis por eventuais catástrofes. Em casos evidentes de negligência, não punham a culpa na vontade dos deuses, nem mesmo no acaso e, embora não tenhamos muita informação sobre como o Código era efetivamente aplicado, essa lex talionis devia funcionar muito bem como instrumento dissuasivo da preguiça e da falta de seriedade na conservação de tudo o que pudesse afetar a coletividade.

(*) Mesopotâmia significa "região entre rios".

domingo, 23 de janeiro de 2011

Nós e eles (Parte 4) - Animais aprisionados em zoológicos e parques

Para fazer as fotos dessa pequena série, julguei que seria proveitoso comparecer a alguns zoológicos, imaginando que encontraria diversão, além de fazer as já mencionadas fotografias. Entretanto, leitor, devo admitir que essa experiência me causou um certo aborrecimento. Vamos ao caso.
Inegavelmente há muitos zoológicos que oferecem aos animais condições de vida bastante razoáveis, ainda que não seja a mesma coisa que viver no habitat original. São, alguns deles, centros de pesquisa e de preservação de espécies ameaçadas de extinção. Nessas condições, pode-se assumir que são úteis, educativos e até necessários. O que me parece difícil é aceitar a existência de "zoológicos" ou "parques ecológicos", geralmente em cidades menores, nos quais os animais vivem em condições terríveis, neurotizados pelo espaço exíguo de suas jaulas e pela total falta de atividade estimulante, sem falar na presença de pessoas absolutamente desinformadas, que gritam, assobiam, jogam objetos e oferecem comida inadequada e em horário impróprio. Como supor que felinos selvagens, nativos do Brasil, habituados às vastas extensões florestadas, podem viver felizes em cubículos que, com boa vontade, terão talvez uns trinta metros quadrados? Que dizer dos animais típicos das savanas africanas, cujo estilo de vida passa pela existência em bandos, e que são obrigados a completo isolamento, sem sequer um único companheiro? Haverá quem argumente que muitos desses espécimes de zoológicos são exemplares nascidos em cativeiro e, portanto, "habituados" a viver em jaulas. Pois bem, vejamos se isso é assim mesmo.
Imagine, leitor, que alguém lhe fizesse a seguinte proposta: Você não precisa mais trabalhar, pode dormir quanto quiser e sua comida favorita será trazida pontualmente até você, a cada refeição. Porém, fica entendido que você deverá viver isolado em um local que terá uns trinta ou quarenta metros quadrados, com uma ampla vidraça à frente, para que aqueles que assim o desejarem possam observar tudo o que você faz. Como um bônus, assegura-se que você estará livre de moléstias infectocontagiosas, garantindo-se também completa assistência médica quando isso se fizer necessário. Como contrapartida, espera-se que você acene alegremente para crianças e adultos que vierem vê-lo, além de estar condicionado a reproduzir-se regularmente com um(a) parceiro(a) que lhe será destinado(a), sem qualquer escolha de sua parte, para que novos espécimes sejam gerados e, uma vez nascidos em cativeiro e sem qualquer contato com a liberdade, sejam encaminhados a outros parques para entretenimento da população. Que lhe parece? Não é uma proposta tentadora?!
Se consideramos tal ideia um absurdo, devemos, ao menos por coerência, ter compaixão desses pobres seres vivos que passam sua triste vidinha a percorrer, centenas de vezes por dia, a mísera extensão das grades das jaulas. O tema sugere reflexão, mas também aponta para uma necessidade urgente de transformação no modelo que até aqui tem sido aceito para zoológicos e outros parques em que animais são expostos.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nós e eles (Parte 3) - A curiosidade por animais "selvagens" e os primeiros zoológicos modernos

No século III a.C., durante as Guerras Púnicas, os romanos vivenciaram uma desastrosa experiência: foram confrontados em campo de batalha pelos elefantes que a audácia de Aníbal, general cartaginês, conduzira até a Península Itálica, depois de penosíssima travessia dos Alpes. Representações da época fazem crer que, para a maioria dos itálicos, os elefantes eram ainda animais desconhecidos, e sua aparição ocasionou não pouco pânico. Mas parecem ter gostado, porque viriam a ter, em seus espetáculos circenses, não apenas elefantes, mas muitos outros animais, como leões e ursos, que o público adorava ver em luta uns contra os outros ou contra humanos, os gladiadores.
Mais pacíficos que os circos romanos, os zoológicos, como hoje os entendemos, começaram a espalhar-se pelas principais capitais europeias em fins do século XVIII, generalizando-se no século XIX. Isso aconteceu porque, à medida que o mundo era explorado, crescia também a curiosidade por seres exóticos, tais como elefantes, zebras e girafas. Mais remotamente, consta que um elefante, trazido a Viena em 1552, causou comoção entre o povo, mas foi em 1828 que uma girafa, vinda recentemente do Egito, quase virou a cidade no avesso, pela onda de entusiasmo que provocou. O frenesi foi de tal ordem que as luvas das madames eram estampadas de modo semelhante à pele da girafa.
Leitor, é compreensível! Na época os meios de comunicação eram precários e as viagens por terras distantes eram coisa para poucos, endinheirados e muito corajosos. Diante disso, não causa espanto que a maioria das pessoas ignorasse completamente detalhes da fauna de outras terras. E, nesse contexto, vê-se facilmente que, contrastada às espécies típicas da Europa, uma girafa podia bem parecer quase um ser de outro mundo...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Nós e eles (Parte 2) - Animais "de carga"

"Foi o caso que uma carroça estava parada, ao pé da Travessa de S. Francisco, sem deixar passar um carro, e o carroceiro dava muita pancada no burro da carroça. Vulgar embora, este espetáculo fez parar o nosso Aires, não menos condoído do asno que do homem. A força despendida por este era grande, porque o asno ruminava se devia ou não sair do lugar; mas, não obstante esta superioridade, apanhava que era o diabo. Já havia algumas pessoas paradas, mirando. Cinco ou seis minutos durou esta situação; finalmente o burro preferiu a marcha à pancada, tirou a carroça do lugar e foi andando.
Nos olhos redondos do animal viu Aires uma expressão profunda de ironia e paciência. Pareceu-lhe o gesto largo de espírito invencível. Depois leu neles este monólogo; "Anda, patrão, atulha a carroça de carga para ganhar o capim de que me alimentas. Vives de pé no chão para comprar as minhas ferraduras. Nem por isso me impedirás que te chame um nome feio, mas eu não te chamo nada; ficas sendo sempre o meu querido patrão. Enquanto te esfalfas em ganhar a vida, eu vou pensando que o teu domínio não vale muito, uma vez que me não tiras a liberdade de teimar..."
Machado de Assis, Esaú e Jacó


A citação acima, leitor, não tem por objetivo defender o espancamento de animais. Essa brutalidade está, é claro, fora de questão. A ideia aqui é introduzir com isso algumas reflexões.
Por séculos a humanidade tem chamado certos bichos de "animais de carga", como se esses seres vivos tivessem vindo à existência pura e simplesmente para, até literalmente, carregar a humanidade nas costas. Seja como for, ao longo da maior parte da História, têm efetivamente acompanhado os humanos, quer nômades, quer sedentários. Nesse sentido, a nossa história é a deles também.
Quando nômades, os homens têm tido a seu serviço animais capazes de transportar maior carga do que as poucas forças humanas permitem, sem falar que só assim as antigas rotas comerciais terrestres foram possíveis. A agricultura, marca registrada da sedentarização, tornou-se viável para populações em crescimento graças ao trabalho de animais. E, se pensamos que tudo isso é coisa do passado, basta olhar para regiões menos desenvolvidas do planeta para constatarmos o quanto os homens ainda dependem dos animais em sua luta diária pela sobrevivência. É verdade que o Continente Americano viu o desenvolvimento de notáveis civilizações mesmo sem a existência de grandes animais "de carga", mas isso é uma exceção que de modo algum invalida a regra.

Carro de bois, de acordo com Debret (*)

Asnos (Equus asinus), cavalos (Equus caballus), camelos (Camelus dromedarius ou Camelus bactrianus), elefantes asiáticos (Elephas maximus) e bois (Bos taurus) merecem pois, respeito e consideração, sem falar em búfalos, lhamas e outros. Em particular, no caso do Brasil, tiveram os bovinos notável significado, tracionando os famosos "carros de bois", através dos quais, por séculos, muito da produção agrícola do país foi escoada, até que a expansão das ferrovias viesse tornar obsoleto o antigo meio de transporte. No interior, no entanto, vez por outra se pode ainda ouvir o rangido estridente dos carros de bois, ainda que cada vez mais raramente. E, se já não são usados habitualmente, conservam-se no entanto no imaginário popular como ícone de uma vida rural idealizada.

Pequeno carro de bois  entalhado em madeira.
De um presépio (!) bem brasileiro, na cidade de Paraibuna, SP.

Quanto ao uso de animais para alimentação, é assunto do qual me recuso a tratar. Embora respeitando o ponto de vista dos humanos carnívoros, estou plenamente convencida da superioridade ética do vegetarianismo. Mas isso já é outro assunto...

(*) DEBRET, J.B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


Veja também:

domingo, 16 de janeiro de 2011

Nós e eles (Parte 1) - Animais "selvagens" e animais "domésticos" (*)

Eles vivem ao nosso redor - alguns mesmo dentro de nossas casas, e até parecem gostar. Outros, ainda que chamados de "domésticos", não passam de criaturinhas semisselvagens, que fazem o que bem entendem, valendo-se tranquilamente de nossa generosa hospitalidade para sua subsistência. Dizemos que são nossos, que somos nós os donos, mas basta pensar um pouco para ver quem manda em quem...
Na Antiguidade os animais encenavam um papel de destaque, sendo, em muitos casos, considerados deuses. Se tem dúvidas, leitor, verifique o panteão egípcio, e vai achar touros, crocodilos, íbis, serpentes, gatos, chacais, uma lista quase infinita de divindades zoomórficas e/ou antropozoomórficas. O mesmo acontecia em outras partes do planeta.
Entretanto, para azar deles, nem todos os povos tinham a mesma consideração pela bicharada. Os assírios, mais que famosos pela crueldade, desenvolveram o gosto pela caça de leões e outras feras. Acontece que, para facilitar a vida dos monarcas e de seus servidores, esses animais eram frequentemente aprisionados para, mais tarde, serem "caçados". O costume, ao que parece, estendeu-se a babilônios e persas.
Não era o tempo, ainda, dos cãezinhos como animais domésticos. Na maioria das civilizações antigas os cães não eram alvo de grande apreço, sendo vistos mais como carniceiros que rondavam as cidades que como meigas figurinhas a frequentarem o colo das madames. É somente em tempos medievais que começamos a ter registros mais frequentes de cachorros como animais de estimação ou companheiros de caça. Os gatos, bem, os gatos tiveram de esperar um pouco mais, já que o medievo associava esses felinos (os pretos, em particular) aos supostos rituais de bruxaria frequentemente execrados pela Igreja e perseguidos pela Inquisição.

(*) O título é, evidentemente, uma referência àqueles ridículos textos de livros didáticos que eram usados há algumas décadas para ensinar às crianças a classificação dos "animais domésticos" e "animais selvagens", "animais úteis" e "animais nocivos", e assim por diante. À luz da Ecologia, classificar um animal como nocivo é uma completa tolice.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Viajantes estrangeiros no Brasil do Século XIX - O salto do Tietê (Parte 2)

Escultura às margens do Tietê representando
os viajantes que percorreram a região.
Hoje, leitor, as palavras serão poucas (as imagens dirão muito por si mesmas). Na postagem anterior referi-me aos viajantes estrangeiros que, ao longo do século XIX, percorreram o Brasil. Pois bem, há, na cidade de Salto (S.P.) um belíssimo monumento celebrando a passagem desses viajantes pelo lugar. É parte de um conjunto de seis esculturas (Índio, Bandeirante, Jesuíta, Viajante, Pescador e Operária), de autoria do artista plástico Murilo Sá Toledo, que pretende retratar personagens de destaque para a História local. Estão instaladas às margens do Rio Tietê, nas proximidades da grande queda d'água retratada por H. Florence (veja a postagem anterior), fazendo parte do Memorial que celebra o rio e sua importância para o Estado de São Paulo e para o Brasil. É um lugar que vale a pena visitar.
Entretanto, não sendo a primeira vez que passava por ali, notei recentemente um fato de arrepiar os cabelos. Sendo época de chuvas e, portanto, de elevação do nível das águas, constatei nas margens do rio uma quantidade enorme de lixo de todo tipo, havendo, em particular, garrafas e outros objetos de plástico, que a correnteza arrastou. Ora, isso tem que parar. O que ocorre com o Tietê acontece similarmente com a maioria dos rios no Sudeste.


Durante muito tempo acreditou-se, na maior parte do mundo ocidental, que a industrialização era, necessariamente, sinônimo de "progresso", ainda que a um preço absurdamente alto, o da destruição irresponsável dos recursos de que a humanidade necessita para sobreviver. Sabemos, agora, que não é assim, mas fugimos a todo custo de qualquer tentativa séria de reverter a situação, desconfiando de que venha a significar a redução de algum suposto conforto. Até quando? Desconheço a resposta, leitor, mas posso antever as consequências...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Viajantes estrangeiros no Brasil do Século XIX - O salto do Tietê (Parte 1)

Ao longo do século XIX diversos viajantes estrangeiros, na condição de artistas e/ou cientistas, percorreram o Brasil, tanto a serviço do governo (em "missões científicas"), como também em empreendimentos particulares. Vários desses viajantes deixaram memórias, algumas delas escritas, outras na forma de desenhos e pinturas, que hoje, por uma série de razões, constituem um valioso material de estudo sobre o Brasil daquela época.  Dentre essas razões podem ser mencionadas:
- Como estrangeiros, esses viajantes lançavam sobre o Brasil um olhar de curiosidade ou até mesmo de estranhamento, refletindo em seus relatos aspectos do quotidiano que, aos autores naturais da terra, chegavam a passar despercebidos ou sequer eram referidos por parecerem demasiado óbvios;
- No século XIX o Brasil era uma nação majoritariamente analfabeta, razão pela qual eram produzidos poucos documentos escritos e, assim, as obras deixadas pelos viajantes estrangeiros ganham em significado, pois acrescem fontes de investigação a um universo consideravelmente restrito;
- Além disso, os viajantes percorreram um Brasil ainda pouco conhecido e pouco devastado e, no caso específico do Estado de São Paulo, antes do espalhar-se das fazendas de café e da industrialização, o que significa que seu testemunho revela aspectos da topografia original, da fauna e da flora que, não fosse assim, talvez permanecessem absolutamente incógnitos.
A lista dos nomes desses viajantes é enorme. Menciono aqui apenas três, pela importância de sua obra - Rugendas, Debret e Hércules Florence - e passo, a seguir, com respeito à obra deste último, a examinar um detalhe de seu relato e de sua produção artística, conforme aparece em Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829 (¹). Como desenhista da Expedição Langsdorff, H. Florence esteve junto ao então chamado "Salto de Itu", que assim descreveu e assim retratou:


"Uma légua antes de chegar a Itu, transpõe-se o Tietê numa ponte de madeira. É o salto de Itu. Desde a ponte, o leito do rio se inclina: a água adquire forte correnteza; esbarra de encontro a rochas esparsas; espuma em torno; espadana branca como neve; precipita-se entre dois grandes maciços e forma uma primeira queda de 15 pés de altura mais ou menos. De contínuo se ergue espesso nevoeiro que o vento atira sobre as árvores. Adiante as águas fervem em curso vertiginoso; em borbotões saltam pelas pedras; chocam-se cachões contra cachões; desfazem-se em líquida poeira; rugem nas margens e alternadamente submergem ou descobrem grandes rochas. É a imagem eterna do mar em fúria.
Abaixo uns 800 passos da queda, volta o Tietê à tranquilidade primitiva e corre então mansamente por entre espesso e verdejante mato." (²)
Atualmente, leitor, o lugar é conhecido como "Salto do Tietê", já que pertence ao município de Salto, e não ao de Itu. Diz-se que o volume de água diminuiu bastante desde a construção da barragem, mas você poderá comparar por si mesmo a ilustração de H. Florence com a situação presente, assistindo ao pequeno vídeo abaixo.



(1) FLORENCE, H. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Importância do número cem na História

GUERRA DOS CEM ANOS - Travada entre a França e a Inglaterra nos séculos XIV e XV, durou na verdade 116 anos.

OS CEM DIAS - Governo de Napoleão Bonaparte, após sua fuga da ilha de Elba até a renúncia após a derrota em Waterloo. (1º de março a 18 de junho de 1815). Se fizer as contas, verá que são exatamente 110 dias, e não apenas 100.

PASSEATA DOS CEM MIL - protesto de rua ocorrido em 26 de junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro, contra o governo militar que dirigia o Brasil.

CENTÚRIA - Unidade militar da Roma Antiga que tinha 80, e não 100, legionários.

CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL - Comemorado em 1922, suscitou muitas discussões, pois os gastos com os festejos pareciam impróprios diante da crise econômica que o País atravessava.

SÉCULO - Período de 100 anos em que usualmente se divide o tempo histórico na civilização ocidental.

CEM METROS RASOS - prova de atletismo introduzida nos Jogos Olímpicos em Atenas em 1896, para os homens, e em Amsterdam, em 1928, para as mulheres.

CENTÉSIMO DIA DO ANO - É o dia 10 de abril, se o ano tiver 365 dias, e o dia 9, se for um ano bissexto.

CENTÉSIMA POSTAGEM DESTE BLOG - É a que você acabou de ler!


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Antigas celebrações do Dia de Reis e o hábito de presentear

Hoje, dia 6 de janeiro, é "Dia de Reis", ou seja, a comemoração, segundo o calendário da Igreja Ocidental, da visita dos magos ao menino Jesus e seus pais. Curiosamente, os Evangelhos não informam quantos eram os magos, nem dão qualquer notícia sobre eventual cargo político que exerciam. Entretanto, a tradição diz que eram três, refere seus nomes (Baltasar, Gaspar e Belquior), inferindo-se possivelmente a sua origem real pela natureza dos presentes oferecidos - ouro, incenso e mirra.
Acontece que, na maior parte da cristandade, a data já teve mais importância do que tem hoje. Na literatura brasileira encontramos, por exemplo, esse trecho, bastante evocativo, de Joaquim Manuel de Macedo:
"Avivemos um pouco a lembrança da festa profana dos Reis que em suma era na cidade do Rio de Janeiro como em toda parte do Brasil. A festa popular da noite dos Reis era a que rematava as festas do Natal, que, acompanhando as sagradas comemorações da igreja, começavam na noite de 25 de dezembro pela exposição dos presepes, onde se figurava a cidade de Belém, o lugar humilde do berço do Menino Deus, um campo cheio de pastores e de multidão de animais, árvores, flores, rios, fontes e cascatas, tudo em mais ou menos bem feita miniatura, e tudo perturbado por mais ou menos anacronismos e impropriedades, que aliás não preocupavam nem aos mais entendidos em história natural e na arqueologia.
Os presepes conservavam-se abertos até a terminação das alegres folias dos Reis, e todas as noites eram visitados por multidão de curiosos, e amadores." (*)
É bom notar que o autor diz como a festa de Reis era comemorada, o que significa que, em seus dias, quando a obra citada foi publicada (1870-1871) já não  acontecia assim. Mas, retornando ao caso das antigas tradições associadas à data, devemos adicionar ao costume da visitação aos presépios o fato de que, antigamente, o hábito de presentear era mais geralmente exercido no Dia de Reis que no Natal, propriamente, já que reafirmava a lembrança dos magos que traziam presentes. Sobre isso, veja-se este anúncio, publicado em A Cigarra, edição de 24 de dezembro de 1918:


É interessante o fato de que as mercadorias eram oferecidas como presentes adequados para "Natal, Ano Bom e Reis", comprovando que, no ano de 1918, quando o anúncio foi publicado, presentar no Dia de Reis ainda era usual, pelo menos para alguns. Um outro hábito, que em locais de maior tradição portuguesa, ao menos no interior do Brasil, podia ser encontrado, era o de presentear pães doces (ou roscas), em divertidos formatos de animais, preparados em casa mesmo ou por confeitarias.
Desse modo, chegava ao fim o "ciclo natalino", com o desmontar das árvores de Natal e dos presépios - tudo para recomeçar no dia 6 de dezembro seguinte, dia de São Nicolau. O mundo cristão celebrava, portanto,  uma visão cíclica da História, contida, por sua vez, numa ampla visão linear que vai da criação do mundo até o juízo final.
Como se vê, os costumes mudaram, a decoração natalina, por imposição do comércio, começa a aparecer em fins de outubro, as "folias de Reis" (no caso específico do Brasil) a custo são mantidas, geralmente por razões turísticas, em uns poucos lugares, enquanto a febre de presentear concentra-se, a bem do Capital, na véspera do Natal. Perdoe, leitor, a rima indesejável, só não consegui evitar... Não é possível evitar a reflexão de que a antiga fórmula tinha lá seus méritos, estabelecendo uma conexão entre o ritmo da vida de cada pessoa o o ritmo da vida em sociedade. Outras culturas têm, obviamente, suas tradições peculiares nesse sentido. Talvez nós, ocidentais, tenhamos perdido um pouco dessa percepção, e quem pode assegurar que isso não acaba por nos fazer falta?

(*) MACEDO, Joaquim Manuel de. As Mulheres de Mantilha.


Veja também:

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"""Pinturas rupestres"""

Há mais ou menos um ano, já tratei neste blog da questão dos "pichadores" que, aqui e ali, encarregam-se de destruir o patrimônio histórico. O problema é tanto mais grave quanto há, por vezes, uma tendência em considerar seus atos como meras travessuras. Mas não são. O caso que veremos hoje exemplifica isso claramente.
Porto Feliz é o que se poderia chamar de cidade histórica de primeira linha. De seu porto de Araraitaguaba, às margens do rio Tietê, partiam habitualmente as monções (*) rumo ao interior do Brasil, ainda praticamente desconhecido e, por isso mesmo, misterioso, desde fins do século XVII, por todo o XVIII e início do XIX. Pois bem, das monções e bandeiras voltaremos a tratar outras vezes. O que quero mostrar a você, leitor, é a "intervenção" de alguns pichadores no belíssimo paredão de rocha que margeia o antigo ponto de partida das monções. A origem geológica do local é muito discutida, e não é propósito deste blog entrar no mérito da questão, bastando apenas dizer que, para muitos, a origem é glacial, enquanto outros entendem que há evidentes marcas de deslocamento de água na área, o que poderia indicar que, em algum tempo no passado, o rio teria sido muito maior, chegando sua margem até aquele ponto. Seja lá como for, é lugar de grande beleza natural e evidente significado histórico. Qualquer ato destrutivo, aqui, raia a sacrilégio. Então, que o leitor considere por si mesmo as imagens abaixo:


Observou as "pinturas rupestres"? Não, leitor, elas não vêm de tempos remotos, quando o paredão foi formado, nem foram feitas pelos nativos que habitavam a região antes da chegada dos portugueses. Posso assegurar que são obra de hominídeos bem mais recentes...
Remover pichações em paredes comuns já acarreta aborrecimentos. Nesse caso, no entanto, significaria ter que, provavelmente, desgastar a rocha natural, alterando para sempre o que a natureza esculpiu. O dano é, portanto, muito maior. É revoltante imaginar que tenha sido perpetrado de forma irresponsável, possivelmente sem qualquer sentimento de culpa.

(*) Monções eram expedições predominantemente fluviais que iam ao interior do Brasil à procura de jazidas de metais preciosos.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Por que construímos monumentos?

Por que os seres humanos constroem monumentos? Uma boa razão é que temos, sem dúvida, uma aguda consciência da brevidade de nossa vida. Assim, erguemos monumentos porque queremos, de alguma forma, romper com essa transitoriedade, estabelecendo algo que, muito tempo depois de nossa curta existência, assegure que não seremos de todo esquecidos.
Monumento em homenagem ao Compositor Carlos Gomes,
na cidade de Campinas - SP.
Essa pode ser uma iniciativa pessoal, quando alguém decide, ainda em vida, erguer seu memorial (foi o caso dos faraós, no Antigo Egito, ainda que para isso tenham sido sacrificadas as vidas de multidões); pode também ser um trabalho familiar quando, por exemplo, após a morte de alguém, sua família providencia a construção de um túmulo, que não apenas procura dignificar a memória do falecido, como pode ser instrumento de afirmação do poderio de sua estirpe; pode, além disso, ser tarefa de um coletivo mais amplo, como é o caso de uma cidade que decide edificar um memorial à sua fundação, testificando, com isso, de sua antiguidade e importância face às outras comunidades, o mesmo podendo ser dito de monumentos nacionais, que procuram endeusar a nação diante dos próprios cidadãos bem como dos visitantes estrangeiros. Em todo caso, há nisso um fator comum: a ideia de exaltar algo ou alguém, seja por razões de afetividade, de solidariedade ou até de interesse político.
Há muitos tipos de monumentos, dentre os quais, destacam-se:
- Obeliscos: são pilares muito altos, quase sempre de pedra ou outro material muito resistente, tendo uma base que se afunila até atingir sua dimensão mínima no topo.
- Estelas: podem lembrar os obeliscos, mas são bem menores, quase sempre edificadas a partir de um único bloco de pedra.
- Colunas: altas como os obeliscos, são, no entanto, circulares, tendo, usualmente, em seu topo, uma estátua de alguém a quem se deseja prestar homenagem.
- Mausoléus: são monumentos funerários, que podem abrigar os restos mortais de uma única pessoa ou de várias (de uma família ou uma dinastia, por exemplo).
- Arcos de Triunfo: a forma foi definida, ao que parece, na Antiga Roma, sendo construídos para comemorar feitos militares de um grande general ou de uma nação.
Naturalmente, esses são tipos de monumentos que poderíamos considerar "clássicos", mas há, mundo afora, muitíssimos casos que não podem ser classificados em nenhuma das categorias mencionadas.


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