quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Antigas celebrações do Dia de Reis e o hábito de presentear

Hoje, dia 6 de janeiro, é "Dia de Reis", ou seja, a comemoração, segundo o calendário da Igreja Ocidental, da visita dos magos ao menino Jesus e seus pais. Curiosamente, os Evangelhos não informam quantos eram os magos, nem dão qualquer notícia sobre eventual cargo político que exerciam. Entretanto, a tradição diz que eram três, refere seus nomes (Baltasar, Gaspar e Belquior), inferindo-se possivelmente a sua origem real pela natureza dos presentes oferecidos - ouro, incenso e mirra.
Acontece que, na maior parte da cristandade, a data já teve mais importância do que tem hoje. Na literatura brasileira encontramos, por exemplo, esse trecho, bastante evocativo, de Joaquim Manuel de Macedo:
"Avivemos um pouco a lembrança da festa profana dos Reis que em suma era na cidade do Rio de Janeiro como em toda parte do Brasil. A festa popular da noite dos Reis era a que rematava as festas do Natal, que, acompanhando as sagradas comemorações da igreja, começavam na noite de 25 de dezembro pela exposição dos presepes, onde se figurava a cidade de Belém, o lugar humilde do berço do Menino Deus, um campo cheio de pastores e de multidão de animais, árvores, flores, rios, fontes e cascatas, tudo em mais ou menos bem feita miniatura, e tudo perturbado por mais ou menos anacronismos e impropriedades, que aliás não preocupavam nem aos mais entendidos em história natural e na arqueologia.
Os presepes conservavam-se abertos até a terminação das alegres folias dos Reis, e todas as noites eram visitados por multidão de curiosos, e amadores." (*)
É bom notar que o autor diz como a festa de Reis era comemorada, o que significa que, em seus dias, quando a obra citada foi publicada (1870-1871) já não  acontecia assim. Mas, retornando ao caso das antigas tradições associadas à data, devemos adicionar ao costume da visitação aos presépios o fato de que, antigamente, o hábito de presentear era mais geralmente exercido no Dia de Reis que no Natal, propriamente, já que reafirmava a lembrança dos magos que traziam presentes. Sobre isso, veja-se este anúncio, publicado em A Cigarra, edição de 24 de dezembro de 1918:


É interessante o fato de que as mercadorias eram oferecidas como presentes adequados para "Natal, Ano Bom e Reis", comprovando que, no ano de 1918, quando o anúncio foi publicado, presentar no Dia de Reis ainda era usual, pelo menos para alguns. Um outro hábito, que em locais de maior tradição portuguesa, ao menos no interior do Brasil, podia ser encontrado, era o de presentear pães doces (ou roscas), em divertidos formatos de animais, preparados em casa mesmo ou por confeitarias.
Desse modo, chegava ao fim o "ciclo natalino", com o desmontar das árvores de Natal e dos presépios - tudo para recomeçar no dia 6 de dezembro seguinte, dia de São Nicolau. O mundo cristão celebrava, portanto,  uma visão cíclica da História, contida, por sua vez, numa ampla visão linear que vai da criação do mundo até o juízo final.
Como se vê, os costumes mudaram, a decoração natalina, por imposição do comércio, começa a aparecer em fins de outubro, as "folias de Reis" (no caso específico do Brasil) a custo são mantidas, geralmente por razões turísticas, em uns poucos lugares, enquanto a febre de presentear concentra-se, a bem do Capital, na véspera do Natal. Perdoe, leitor, a rima indesejável, só não consegui evitar... Não é possível evitar a reflexão de que a antiga fórmula tinha lá seus méritos, estabelecendo uma conexão entre o ritmo da vida de cada pessoa o o ritmo da vida em sociedade. Outras culturas têm, obviamente, suas tradições peculiares nesse sentido. Talvez nós, ocidentais, tenhamos perdido um pouco dessa percepção, e quem pode assegurar que isso não acaba por nos fazer falta?

(*) MACEDO, Joaquim Manuel de. As Mulheres de Mantilha.


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