quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Enchentes no Brasil Contemporâneo - por que continuam a ocorrer?

"Em face desses transes solenes, desses cataclismos da natureza, a alma humana sente-se tão pequena, aniquila-se tanto, que se esquece da existência; o receio é substituído pelo pavor, pelo respeito, por essa emoção que emudece e paralisa.
[...]
A tempestade continuava ainda ao longo de toda a cordilheira que aparecia coberta por um nevoeiro escuro; mas o céu, azul e límpido, sorria mirando-se no espelho das águas."
José de Alencar, Guarani

Áreas alagadas pelo transbordamento
do Rio Atibaia 
em 13 de janeiro de 2011
Não é de hoje que sonhamos controlar as chamadas "forças da natureza". Terremotos, erupções vulcânicas, avalanches, tsunamis e chuvas torrenciais são causa frequente de medo e preocupação. Não se pode dizer, no entanto, que a humanidade não tem já alcançado algum sucesso, ainda que modesto, nessa empreitada. Já vão longe os tempos em que a maioria das pessoas, diante de fenômenos então inexplicáveis, atribuía sua origem à fúria de deuses irados. A questão é que hoje, se não podemos ainda evitar cataclismos, ao menos podemos prever, até certo ponto, sua ocorrência, de modo a adotar medidas preventivas no sentido de reduzir as vítimas fatais.
Por que, então, em casos como o da recente tragédia na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, ainda ficamos a olhar, estarrecidos, perguntando-nos sobre alguma razão maior por trás da natureza em fúria?
Há muito que observar, mas algumas considerações tornam-se inevitáveis:
a) Se, por um lado, todo o avanço científico e tecnológico ainda não nos confere a capacidade de controlar a natureza como gostaríamos, adquirimos, por outro, uma incrível capacidade de gerar destruição por nós mesmos, afetando fenômenos cujas causas ainda não compreendemos perfeitamente;
b) No caso específico do Brasil, a ausência de planejamento urbano em larga escala tem levado à ocupação indevida de áreas que, a despeito de toda a beleza natural, jamais deveriam servir para habitação;
c) Ainda no caso do Brasil, a ausência de continuidade em projetos de monitoramento, prevenção e redução de danos em casos de catástrofes naturais cobra um preço elevadíssimo a cada ano - a sequência de inundações quase sempre acompanhadas de deslizamentos de terras e rompimento de barragens (o tipo de catástrofe natural mais comum no País) no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em Angra dos Reis e adjacências, na Região Nordeste e agora na Região Serrana do Rio de Janeiro nos mostram a urgente necessidade de trabalho árduo no sentido de assegurar recursos e pessoal qualificado para minimizar o potencial destrutivo de eventos que não podem ser evitados;
d) O Brasil carece desesperadamente de investimentos maciços em infraestrutura, não apenas para substituir aquilo que envelheceu, mas principalmente para atender de forma satisfatória à demanda que se impõe para os próximos trinta a cinquenta anos, levando-se em conta as curvas de crescimento populacional - isso significa que investimentos na área devem ser prioridade, ainda que outros, mas "vistosos" do ponto de vista eleitoral, precisem ser postos de lado;
e) Vindo por último, mas nem por isso menos importante, é preciso combater com o rigor da lei toda e qualquer atitude do tipo "vamos deixar para amanhã". As centenas de vidas ceifadas nas recentes tragédias clamam contra a maldita procrastinação que, desde os dias coloniais, insiste em ser frequente na administração pública. É urgente a necessidade de administradores responsáveis, capazes e verdadeiramente comprometidos com o bem-estar da população.
Pode parecer chocante, mas Auguste de Saint-Hilaire (²), descrevendo suas viagens entre 1821 e 1822, escreveu a respeito das obras públicas no Brasil:
"Começa-se qualquer empreendimento útil, para logo ser interrompido e abandonado. Às vezes um serviço ordenado pelo governo e que se poderia acabar em pouco tempo, e com despesas mínimas, jamais termina, embora nele se trabalhe sempre."
Foi em 1821. Mas, em alguns casos, bem poderia ser hoje...

(1) Deserto, neste caso, refere-se a uma área completamente desabitada, e não um lugar árido.
(2) SAINT-HILAIRE, Auguste. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 17.


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