quinta-feira, 27 de abril de 2023

Roupas usadas por missionários jesuítas no Maranhão no Século XVII

Por mais que navegadores do final do Século XV e mesmo do XVI descrevessem o Brasil como uma espécie de paraíso, "Éden restaurado", lugar de riquezas e beleza infinitas, a verdade é que a vida colonial estava longe de ser um mar de facilidades. Sim, havia gente abastada e que fazia vir do Reino tanto a roupa quanto a comida de que precisava, embora nada disso fosse garantia de conforto - pode-se imaginar facilmente o estado de deterioração do bacalhau seco e dos queijos que, depois de meses no mar, eram desembarcados e vendidos no Brasil. 
Em se tratando de vestuário, as sedas, cetins e veludos eram reservados às famílias da elite açucareira. Para a maior parte da população, cabia o vestir-se com roupas feitas de algodão grosseiro.  Nas missões jesuíticas do Maranhão, nem mesmo os padres escapavam dos rudes tecidos destinados aos mais pobres. Antônio Vieira, o grande pregador e missionário, em carta a um amigo, afirmou: "[...] Ando vestido de um pano grosseiro cá da terra, mais pardo que preto; como farinha de pau (¹); durmo pouco; trabalho de pela manhã até a noite [...]" (²).
Esse tecido "mais pardo que preto", de que se andava fazendo a roupeta dos padres da Companhia de Jesus era tingido de um modo curioso, que o padre André de Barros, escrevendo no Século XVIII, assim explicou, ao expor o modo como os missionários sob a liderança do padre Vieira tiveram de viver, quando empreendiam a catequese de indígenas, contra toda a oposição dos colonizadores: "[...] Por esta causa se reduziram os padres daquela missão a vestir pano de algodão tinto na lama (que é certo lodo, que se acha no fundo de alguns rios), a calçar sapatos de peles dos animais dos matos e a não beber vinho, e finalmente a viver tão pobres como os mesmos índios, poupando desta maneira para ter com que os granjear a eles para Cristo" (³). 
Vieira trabalhou alguns anos como missionário no Século XVII. No centênio precedente, jesuítas como Nóbrega e Anchieta haviam enfrentado dificuldades semelhantes, porém em outras áreas do Brasil, sendo obrigados a pôr em serviço toda a capacidade inventiva para a confecção de calçados e outros objetos de que precisavam. Contudo, a necessidade de procurar soluções caseiras não se restringia aos religiosos: portugueses em geral, bem como seus descendentes, logo descobriram que, se pretendiam sobreviver como colonizadores, tinham muito a aprender com os indígenas, que já viviam no Brasil muito antes deles. 
 
(1) Farinha de mandioca.
(2) BARROS, André de S. J. Vida do Apostólico Padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus. Lisboa: Officina Sylviana, 1746, p. 514.
(3) Ibid., p. 571.


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