terça-feira, 15 de setembro de 2020

Arariboia

Arariboia (¹) era cacique temiminó. Colonizadores portugueses gostavam muito dele, em razão de ser seu aliado. É fácil notar que os índios que se opunham à colonização eram considerados maus.
À frente dos guerreiros de sua tribo, Arariboia juntou-se às forças do governador-geral Mem de Sá para a guerra de expulsão dos franceses que haviam gostado tanto da baía de Guanabara que não queriam deixá-la em mãos de portugueses. A atuação dos indígenas, de um e de outro lado, foi importante no confronto. Afinal, vitoriosos os portugueses, foram enviadas notícias ao Reino. Em resultado, o jovem rei D. Sebastião mandou presentes ao chefe temiminó que tanto se destacara. "[...] El-rei D. Sebastião louvou o esforço do índio, mandou-lhe peças de estima, e entre elas um hábito de Cristo com tença, e um vestido de seu próprio corpo" (²), escreveu Simão de Vasconcelos, autor seiscentista. Sabe-se também que a Arariboia e sua gente foi concedido um lugar, a título de sesmaria, não muito longe do Rio de Janeiro. Era vantajoso ter um aliado desses por perto, com armas na mão para defesa dos colonizadores, sempre que fosse preciso. Seria impertinência perguntar que sentido faziam esses presentes, para quem fora, até pouco antes, senhor inconteste na terra em que nascera?
O episódio mais famoso associado a Arariboia tem que ver com a chegada do governador Antônio de Salema ao Rio de Janeiro em 1575, para assumir o mando nas "capitanias do sul". Foi recebido tanto por portugueses como por chefes indígenas, entre os quais o já idoso temiminó, a quem se dera o nome de Martim Afonso de Sousa (³) por ocasião do batismo. Conta frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil (⁴), que, vindo Arariboia à presença do mandatário recém-chegado, foi-lhe concedida uma cadeira em que se sentasse. Isso era uma grande honra, segundo o costume da época, porque gente comum, se chegava a estar diante do governador, devia permanecer em pé, com o chapéu na mão e falando apenas quando permitido. O temiminó, porém, tinha outras ideias, e parece não ter dado grande importância às cerimônias dos colonizadores:
"[...] como o governador desse cadeira, e ele em se assentando cavalgasse uma perna sobre a outra segundo o seu costume, mandou-lhe dizer o governador pelo intérprete que ali tinha, que não era aquela boa cortesia quando falava com um governador, que representava a pessoa de el-rei.
Respondeu o índio de repente, não sem cólera e arrogância, dizendo-lhe: "Se tu souberas quão cansadas eu tenho as pernas das guerras em que servi a el-rei, não estranharas dar-lhes agora este pequeno descanso, mas já que me achas pouco cortesão eu me vou para minha aldeia, onde nós não curamos desses pontos, e não tornarei mais à tua corte". Porém nunca deixou de se achar com os seus em todas as ocasiões, que o ocupou."
Grande Arariboia! Não podemos ter certeza de que as coisas foram exatamente assim - temos o relato de frei Vicente do Salvador, mas os índios, como se sabe, nada deixaram escrito. É de se lamentar, e muito. Tendo em conta, porém, o quanto os atritos entre nativos e colonizadores eram frequentes, não é absurda a suposição de que, ao menos na essência, esse incidente pode ser autêntico, porque não se esperaria que, décadas mais tarde, alguém se lembrasse dele, não fora pela forte impressão que causara.

(1) Há outras grafias, como Ararigboia, por exemplo.
(2) VASCONCELOS, Pe. Simão de S. J. Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil vol. 2 2ª ed. Lisboa: Fernandes Lopes, 1865, p. 73.
(3) O mesmo nome do navegador português que percorrera, com sua expedição, o litoral brasileiro, várias décadas antes. Não confundir com outro indígena catequizado que aderira aos portugueses, o cacique Tibiriçá, que, no batismo, também foi chamado Martim Afonso, e que viveu em São Paulo no Século XVI.
(4) O manuscrito é de c. 1627.


2 comentários:

  1. Fosse, ou não, exactamente assim, gostei da atitude do chefe Arariboia. Como se fosse uma semente. ;)

    Um bom domingo, Marta :)

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    1. É difícil que o contato entre culturas tão distintas não resultasse em algum mal-entendido. A despeito disso, ao que parece, Arariboia não perdeu a pose e manteve a dignidade de grande líder tribal.
      Obrigada por ler e comentar. Tenha uma ótima semana!

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