quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Quem era a loba que alimentou Rômulo e Remo

Uma das razões, ainda que não a única, que faz com que a fundação de Roma por Rômulo e Remo seja considerada uma lenda, é a afirmação de que os gêmeos, abandonados junto ao Tibre, teriam sido amamentados por uma loba. Quem é que acreditaria numa coisa dessas?
Contudo, leitores, se admitirmos um pequeno ajuste, talvez essa história não seja de todo inverossímil. O melhor é que podemos fazer isso, não por mero exercício de imaginação, mas com base em informações que vêm da Antiguidade. Portanto, vamos ao caso.
Aneu Floro, historiador que viveu nos dias do Império Romano, repetiu sem novidade a fábula de Rômulo e Remo, dizendo que "[...] uma loba, fugindo a seu instinto lupino, ao ouvir o choro dos meninos, amamentou-os, como se fosse mãe deles" (¹). Já Tito Lívio (²), em Ab urbe condita libri, contou que era voz corrente em Roma que "o cesto em que os meninos estavam, por estar baixa a corrente, ficou retido em terra seca, e uma loba, vindo dos montes que há ao redor, ouviu o choro deles" (³). Com ternura, cuidou dos gêmeos, atraindo a atenção de Fáustulo, um pastor que os levou para casa e deles se encarregou até que crescessem.
Para Plutarco (⁴), porém, havia outra interpretação possível, humana e perfeitamente lógica, mas nada zoológica. "Talvez [...] o duplo significado da palavra [loba]", disse ele, "seja a explicação para esta fábula, porque os latinos dizem lobas para os animais, mas chamam também lobas às prostitutas" (⁵). Com o passar do tempo, "loba", como eufemismo, caíra talvez em desuso, e a história de Rômulo e Remo teria ganho contornos de lenda, na suposição de que uma autêntica Canis lupus alimentara os meninos. Ainda que não explique outras incongruências da fábula, a versão sugerida por Plutarco parece interessante.

(1) FLORO, Aneu. Epitome rerum Romanarum. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) 59 a.C. - 17 d.C.
(3) LÍVIO, Tito. Ab urbe condita libri. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) Nascido em Queroneia em c. 45 d.C.
(5) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


2 comentários:

  1. Sempre interessante as postagens e seu blog, Marta. Agradeço por compartilhar. Pessoalmente, acredito que ambas as cogitações são possíveis sim... e a natureza é verdadeiramente surpreendente, inclusive a natureza humana... rs

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    1. As duas são possíveis, concordo, como também é possível que nenhuma delas tenha, de fato, acontecido... Esse é um assunto em que há, ainda, muito por investigar, mas novas pesquisas estão acontecendo. É difícil separar lenda da realidade.
      Obrigada por comentar. Visitei seu blog e fiquei encantada com aquela multidão de fotografias. Um abraço, tenha um ótimo restante de semana!

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