terça-feira, 22 de setembro de 2020

Canoas usadas por meninos indígenas

Brinquedos indígenas: canoas pequeninas (¹)

As canoas dos indígenas do Brasil, feitas de um só tronco, foram célebres. Havendo nas florestas árvores enormes, havia, também, canoas para vinte remadores, e até mais. E, como crianças indígenas aprendiam o modo de vida dos adultos pela imitação daquilo que viam os pais fazendo, preparavam-se canoas pequenas, próprias para que os meninos fossem ganhando prática na arte de remar com grande velocidade. 
Surge, então, a pergunta: como eram feitas essas canoas que os meninos usavam?
Um episódio relatado por Simão de Vasconcelos, envolvendo um jesuíta que viveu no Rio de Janeiro no Século XVII, deixa entrever a resposta. Chamaram o padre João de Almeida para ir ministrar a confissão a um escravo cristão que corria risco de morte. O lugar em que estava, porém, exigia deslocamento por mar. Indo à praia, o padre e seu companheiro não encontraram canoas disponíveis, porque, no dizer de Simão de Vasconcelos, eram "partidos os índios todos, senhores delas, para suas pescas e roças" (²). É nesse ponto que o relato ganha interesse para nós, porque o padre só encontra na praia uma canoa pequena, que é assim descrita: "Chega à praia, vê à borda do mar uma canoazinha de meninos, que os pais lhes fazem para os acostumar ao mar, e são ordinariamente capazes de dois ou três rapazes" (³).
Já têm, portanto, leitores, uma ideia de como eram essas embarcações de brinquedo. Mas, para que não fiquem aflitos quanto ao que pode ter acontecido ao padre que se aventurou a embarcar em tão exígua canoa, indo ele, seu companheiro e um índio que deveria remar, vai aqui o que mais disse Simão de Vasconcelos, também jesuíta, assim como o padre João de Almeida: "Porém eram poucos passos andados, quando logo a pobre canoinha, em pedaço de trave cavada, se encheu d'água, não acostumada a peso tão grande" (⁴). Para não desistir da pequena viagem que necessitava fazer, João de Almeida mandou que o índio saltasse na água e fosse, a nado, conduzindo a canoa, até chegar à aldeia de São Francisco Xavier, distante quatorze léguas do Rio de Janeiro. 
Supondo que as coisas tenham se passado do modo como contou Simão de Vasconcelos, devemos reconhecer que esse índio, que teria conduzido a pequena canoa infantil com os dois padres, era um nadador absurdamente atlético... Ficamos, é claro, com a descrição da canoinha, que nos ajuda a visualizar, ainda que de modo tênue, como viviam os ameríndios, nesses tempos já distantes, em que a colonização, avançando, punha fim a um modo de vida que imperara por muito tempo em terras da América.

(1) Os brinquedos indígenas vistos nesta foto pertencem ao acervo do Memorial dos Povos Indígenas (Brasília - DF). São, evidentemente, bem menores que a canoa descrita nesta postagem.
(2) VASCONCELOS, Simão de S. J. Vida do Padre João de Almeida. Lisboa: Oficina Craesbeeckiana, 1658, p. 315.
(3) Ibid.
(4) Ibid., p. 316.


2 comentários:

  1. Uma história incrível de imaginar...
    Gracias por compartilhar, Marta. Boa tarde pra você!

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