Indígenas do Brasil faziam excelentes canoas, construídas geralmente a partir de um único tronco, já que as árvores do Brasil eram gigantescas. Sim, isto é certo, mas é preciso acrescentar que a criatividade indígena parecia quase não conhecer limites. Onde não havia grandes árvores, nem por isso ameríndios deixavam de navegar, usando, neste caso, jangadas feitas com vários troncos menores, amarrados entre si com firmeza. Porém, havia mais: de acordo com Antônio de Santa Maria Jaboatão (¹), os caetés, que viviam no Nordeste brasileiro, chegavam a fazer suas jangadas, não com troncos, mas com um tipo de palha comum na região em que viviam, usada também na confecção de outros objetos:
"[...] usavam de embarcações, que faziam de certas palhas compridas [...] a que ainda chamam todos piripiri, e fazem delas os moradores daquelas partes esteiras e enxergões para as camas. Estas, depois de bem secas ao sol, ajuntavam em molhos, dentro dos quais metiam varapaus do comprimento que lhes era necessário, e atados em roda destes muito bem aqueles molhos, com cipós a que chamam timbós, brandos e fortes, e assim unidos uns molhos com outros, formavam uma larga esteira, seguros e ligados com outras travessas de paus, à maneira das que hoje chamam jangadas, e com aquelas embarcações assim, atravessavam o rio e iam dar os seus assaltos aos tupinambás da outra parte. [...]" (²)
Convenhamos: o estilo de Jaboatão, nem sempre fluente, pode ser de difícil compreensão para leitores do Século XXI que não estejam habituados ao modo de expressão da gente instruída do Século XVIII. Aqui, porém, estamos interessados em verificar quanto os povos indígenas - caetés, entre eles - eram capazes de obter recursos para a subsistência, mesmo quando o meio em que viviam não era dos mais favoráveis. As jangadas de palha, segundo o mesmo autor, não apenas serviam para navegação fluvial, como podiam, ainda, sendo requerido, servir às incursões que seus construtores ousavam, mar afora: "[...] chegava a tanto o seu atrevimento [dos caetés], que algumas vezes nestas mesmas embarcações foram cometer estes e outros insultos pelas costas do mar até junto à Bahia, que são mais de cinquenta léguas. [...]" (³). Mesmo sem declaração explícita de Antônio de Santa Maria Jaboatão, podemos deduzir que as curiosas embarcações foram usadas, não poucas vezes, em investidas dos caetés contra europeus e seus descendentes, já que esses indígenas viviam perto de uma região de intenso fôlego colonizador nos Séculos XVI e XVII.
Já vamos concluindo, mas não sem referir, também, que embarcações feitas com algum tipo de palha, junco, cana, vime ou taquara podem ser encontradas em civilizações muito diferentes e distantes entre em si, quer no tempo, quer no espaço. No Egito Antigo, na China, entre povos da África ou entre indígenas do lago Titicaca, lá estavam (ou estão) elas. Aparentemente, sem nenhuma conexão. Eis aí um assunto interessante para estudo.
Já vamos concluindo, mas não sem referir, também, que embarcações feitas com algum tipo de palha, junco, cana, vime ou taquara podem ser encontradas em civilizações muito diferentes e distantes entre em si, quer no tempo, quer no espaço. No Egito Antigo, na China, entre povos da África ou entre indígenas do lago Titicaca, lá estavam (ou estão) elas. Aparentemente, sem nenhuma conexão. Eis aí um assunto interessante para estudo.
(1) Nascido em Pernambuco em 1695, esse franciscano foi autor de várias obras importantes, de grande utilidade para o estudo e compreensão do Brasil Colonial.
(2) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Volume 1. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858, p. 16.
(3) Ibid.
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