Não, não foram os portugueses os primeiros que pisaram nestas terras. O povoamento do Brasil é coisa muito mais remota, sobre a qual há mais dúvidas que certezas. Os índios tamoios (¹), contudo, e com eles vários outros povos indígenas, tinham sua própria versão quanto a quem teriam sido os primeiros e heroicos povoadores do Brasil, e, a seu modo, verdadeiros Rômulo e Remo destas paragens. Foi o franciscano Antônio de Santa Maria Jaboatão quem contou (²) em sua maior obra, Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil, escrita no Século XVIII, ao relatar esta pitoresca lenda indígena, que atribuiu aos tamoios:
"Se é certa a tradição comum, que em toda esta gente há (³), [...] os primeiros povoadores das costas do Brasil foram dois irmãos, com suas famílias, que de outras partes do mundo vieram dar a estas, e aportaram em Cabo Frio, e daí por certas contendas, que sobre a posse de um papagaio bem-falante que houve entre as mulheres destes, de que resultou apartar-se um deles com todos os seus daquela província para outra [...]." (⁴)
Vejam, portanto, meus leitores, que, ao contrário do que sucedeu em Roma, não houve fratricídio: os irmãos, em virtude da contenda provocada pelo papagaio (!), se separaram e; indo viver em rumos distintos com seus descendentes, teriam povoado o Brasil...
Jaboatão só não explicou a quem coube o papagaio da discórdia, mas, supondo que não se tenha aplicado nenhuma justiça salomônica, podemos supor que os contendores devem ter concluído que não havia motivo para disputa por coisa que em terras brasílicas era tão vulgar - vulgaríssima, diríamos, se quiséssemos falar como o José Dias da famosa obra de Machado de Assis (⁵).
(1) No Século XVI, viviam em terras dos atuais Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os seguidos confrontos com colonizadores resultaram na gradual extinção desse importante grupo indígena.
(2) Nascido em Pernambuco em fins do Século XVII.
(3) Falava dos indígenas e, mais especificamente, dos tamoios.
(4) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Volume 1. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858, p. 27.
(5) Refiro-me, naturalmente, a Dom Casmurro.
Veja também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.