quinta-feira, 4 de abril de 2019

A hora de dormir em uma aldeia indígena

O dia podia ser muito ocupado: preparo da mandioca, caça e pesca, cuidado das crianças, confecção de cerâmica, redes e cestos. Mas entardecia e, com o escurecer, as muitas ocupações geralmente iam chegando ao fim. À noite, ao redor de uma grande fogueira sob a luz das estrelas, os homens conversavam, contavam histórias, faziam planos para o futuro. Então, vinha a hora de dormir. Ninguém é de ferro. 
Índios puris usando rede para dormir (³)
Frei Vicente do Salvador, que viveu entre a segunda metade do Século XVI e a primeira do XVII, descreveu assim o interior de uma habitação coletiva de indígenas, durante as horas da noite: 
"A noite toda têm fogo para se aquentarem, porque dormem em redes ao ar, e não têm cobertores nem vestido, mas dormem nus, marido e mulher na mesma rede, cada um com os pés para a cabeça do outro, exceto os principais (¹), que como têm muitas mulheres dormem sós nas suas redes, e dali quando querem se vão deitar com a que lhes parece, sem se pejarem de que os vejam." (²)
Esteira de buriti usada para dormir,
etnia kayapó (⁵)
Interessante como é, este relato não dá conta da variedade de preferências quanto ao modo de dormir existente entre os povos indígenas. Para muitos, a rede era obrigatória, mas os casais dormiam em redes separadas, ficando sempre a da mulher abaixo da do homem, porque competia a ela manter acesa a pequena fogueira que os aquecia. Francisco Bernardino de Sousa, autor do Século XIX, explicou que a etnia tapuia-ereté tinha outros hábitos: "Em vez de redes ou de peles de animais, que servem de leito à maior parte dos índios das tribos conhecidas, repousam estes dentro de uma espécie de balaio comprido." (⁴)
A fogueira, porém, era indispensável para a maioria dos indígenas. Por quê?
Havia pelo menos três razões: para aquecer (já que, mesmo no verão, as noites podem ser frias dentro de uma floresta), para espantar os insetos e, finalmente, para afastar as onças e outros animais. Quem iria dormir em paz se soubesse que, a qualquer momento, poderia acordar com o bafo de um grande felino por perto?

(1) Referia-se aos chefes indígenas.
(2) Acredita-se que o manuscrito da História do Brasil de frei Vicente do Salvador estivesse concluído por volta de 1627.
(3) _______ Bilder-Atlas Siebenter Band. Leipzig: F. A. Brockhaus. 
A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) SOUSA, Francisco Bernardino de. Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas. Belém do Pará: Typ. do Futuro, 1873, p. 128.
(5) Esta esteira pertence ao acervo do Memorial dos Povos Indígenas (Brasília - DF).


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