terça-feira, 2 de abril de 2019

Deveres das mulheres paiaguás

Entre a maioria dos povos indígenas da América do Sul predominava aquilo que tecnicamente recebe o nome de divisão sexual do trabalho, ou seja, havia tarefas destinadas a homens e a mulheres, em exclusividade (ainda que, eventualmente, ocorresse alguma exceção). Caça e pesca, por exemplo, eram, como regra, ocupações masculinas, enquanto que trabalhos em cerâmica e preparação de alimentos cabiam às mulheres. 
Se podemos crer no que escreveu Félix de Azara, que é, quase sempre, bastante confiável, os paiaguás podem ser também listados entre os que dividiam as obrigações quotidianas desse modo. Para refrescar a memória dos leitores, recordo que os monçoeiros paulistas que iam ao sertão no Século XVIII faziam referência aos paiaguás como "o gentio canoeiro", e tiveram, com eles, confrontos memoráveis (¹). Mas, como o assunto aqui está ligado aos deveres de homens e mulheres desse grupo indígena, passemos ao que escreveu Azara:
"É dever das mulheres fazer esteiras, construir e organizar as cabanas, confeccionar as mantas e as panelas e pratos de barro. Estes pratos estão cobertos por desenhos, porém não são devidamente cozidos. Elas [as mulheres] devem cozinhar os legumes e às vezes o pescado, embora apenas esporadicamente, porque os maridos é que vão buscar lenha e preparar a carne e o pescado." (²)
Parece evidente que reservar aos homens a caça e a pesca era um modo de mantê-los ativos e fisicamente aptos para a guerra. Como negar, entretanto, que a quantidade de tarefas atribuídas às mulheres era muito maior que a destinada a indivíduos do sexo masculino? O relato de Félix de Azara trazia, ainda, esta informação: "Eles [os paiaguás] comem de tudo, mas as mulheres jamais provam carne, porque dizem que lhes seria prejudicial" (³). Azara não explicou o motivo.

(1) Os monçoeiros do Século XVIII davam aos paiaguás o nome de "gentio canoeiro", em razão da enorme habilidade desses índios na natação e em manobrar canoas; os guaicurus, por sua vez, eram chamados "gentio cavaleiro". Paiaguás e guaicurus eram, sem dúvida, os indígenas mais temidos pelos que participavam das monções cuiabanas.
(2)  AZARA, Félix de. Viajes por la América del Sur 2ª ed. Montevideo: Imprenta del Comércio del Plata, 1850, p. 218.
(3) Ibid. Os trechos citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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