Colégios em regime de internato já foram numerosos. Entende-se: na maior parte das povoações, havia, quando muito, uma escolinha de primeiras letras. Quem tivesse (ou pudesse ter) pretensões mais amplas de instrução precisava recorrer a colégios existentes nas cidades maiores e, por essa razão, era preciso que muitos alunos residissem na própria instituição de ensino. A proliferação de escolas em toda parte explica, ainda que parcialmente, o declínio no número de internatos disponíveis. Hoje constituem uma opção, não são inevitáveis.
Agora, leitores, convenhamos: não devia ser tarefa das mais fáceis preservar a disciplina no corpo discente de um internato, mesmo reconhecendo que no passado havia meios de coerção que ninguém hoje, em sã consciência, ousaria defender. Se querem um exemplo, considerem o que acontecia no Século XIX no internato do Imperial Colégio de Pedro II, instalado na capital do Império, para ser um modelo às instituições similares que viessem a ser criadas no Brasil. Vocês já vão entender do que estou falando.
Joaquim Manuel de Macedo, que foi professor de História no Pedro II (¹) e, portanto, sabia do que estava falando, descreveu, em uma de suas obras, Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro, as instalações do internato, mencionando: "Indo da direita para a esquerda, a outra parte da casa que o corredor divide contém uma excelente sala que é a secretaria do internato, e em seguida uma saleta ou largo e curto corredor, onde está o livro do ponto; depois, uma outra saleta que se tornou em dois quartos destinados a servirem de prisão para os alunos que essa pena merecem". (²)
Haveria, por acaso, exagero nas palavras de Macedo? Vejamos, então, pela perspectiva de um aluno, José Vieira Fazenda, que, muito tempo depois de seus dias estudantis, escreveu em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, ao recordar as disputas em que os colegiais se envolveram, em razão de um debate político que, na época, teve certa importância: "[...] As coisas chegariam a mau resultado, se não fora a disciplina rigorosa do Internato e o receio da privação de saída ou de dar com os ossos na solitária, quarto escuro, cheio de ratos, colocado por baixo de uma escada".
É impossível não questionar a "pedagogia" embutida na existência de um compartimento desses em uma casa de ensino (³). Talvez fosse, porém, um poderoso instrumento de dissuasão para adolescentes turbulentos. Assim como as pessoas, cada época, com seus conceitos de instrução, tem suas virtudes e seus defeitos.
(1) Era médico por formação, mas fez muito sucesso como romancista. Lembram-se de A Moreninha?
(2) MACEDO, Joaquim Manuel de. Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 366.
(3) Seria incorreto supor que todos os internatos do Século XIX rezavam pelo mesmo catecismo. Mas, para quem quiser dar um mergulho no que poderia ser o quotidiano dos estudantes em um desses estabelecimentos, a leitura de O Ateneu, de Raul Pompeia, pode ser instrutiva.
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