"Que haja sem livros letrado,
homem, que é pobre, com teima,
poeta, sem muita fleima,
e sem muleta aleijado:
que haja sem funda quebrado,
estudante sem estudo,
cavalheiro sem escudo,
e mestre sem palmatória!
Boa história."
Gregório de Matos, A Musa Praguejadora
"- Perdão, seu mestre... solucei eu.- Não há perdão! Dê cá a mão! dê cá! vamos! sem-vergonha! dê cá a mão!- Mas, seu mestre...- Olhe que é pior!Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas."Machado de Assis, Conto de Escola em Várias Histórias
Quando meninas e meninos vão hoje para o famoso "primeiro dia de aula", depois de algumas semanas de intensa expectativa, que envolvem a compra do uniforme e do material escolar, podem ter certeza, as crianças e seus pais, que, pelo menos em tese, toda escola séria se propõe a tornar o estudo o mais atraente possível, adotando procedimentos pedagógicos que aliem alto nível de ensino ao prazer de aprender. Pelo menos, é assim que deveria ser.
Mas, no passado, o dia da estreia escolar de um menino podia ser coisa bem diferente. Era pouco provável que o professor fizesse questão de ser simpático com os alunos - julgava que não era para isso que estava diante da classe - dispondo-se a usar de qualquer método para meter as lições na cabeça das crianças, tratadas, em geral, pela mesma didática empregada na época com os animais do pasto. E olhem, leitores, que isso não é coisa assim tão remota: contava meu pai, que estudou em um colégio tido como de primeira linha, que os alunos do internato eram, a cada manhã, postos em fila para a marcha até a sala de aula sob a supervisão de um funcionário que usava, em uma das mãos, um grande anel, com o qual golpeava as cabeças dos mais irrequietos. Isso, claro, com a absoluta ciência e conivência dos pais, que ali haviam matriculado seus fedelhos na expectativa de severa disciplina, um ingrediente que, na época, era tido como indispensável à boa educação.
Pois bem, o anel do "Loro" (era esse o apelido do inspetor de alunos) era apenas um detalhe eventual na série de torturas a que pequenos escolares eram submetidos. O ícone absoluto desse sistema era ela, no entanto. Ela? Sim, a palmatória.
Quase sempre feita de madeira escura e resistente, talvez para reforçar o aspecto sinistro, servia para dar "bolos" nas mãos de quem bulia na aula, de quem não fazia a lição direito, até daquele por quem o professor não tivesse grande simpatia. Nem era preciso muita explicação, bastava que o professor quisesse.
Uma antiga palmatória que, pelo estado de conservação, deve ter sido muito usada! (*) |
Quanto se aprendia sob esse verdadeiro "reinado do terror"? É discutível. Há mais de mil e quinhentos anos Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, como queiram, asseverou que, sob seu ponto de vista, a curiosidade que brotava do próprio estudante era muito mais eficaz na aprendizagem que qualquer método coercitivo. É claro que tinha razão, desde que se queiram alunos capazes de pensar com a própria cabeça, educados para o exercício pleno da democracia. A palmatória, porém, e todos os seus modernos sucedâneos, talvez não tão violentos fisicamente, mas não menos coercitivos, são perfeitamente eficazes se o objetivo for a formação de batalhões de repetidores, sem qualquer iniciativa, prontos a obedecer às ordens do mandachuva do momento.
(*) Essa palmatória integra o acervo do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião, MG. Se visitar a cidade, não deixe de ir ao Museu, pois vale a pena. Há lá muita coisa interessante.
(*) Essa palmatória integra o acervo do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião, MG. Se visitar a cidade, não deixe de ir ao Museu, pois vale a pena. Há lá muita coisa interessante.
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