quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A revolta de um escravo nomenclator

No exercício do poder, César Augusto enfrentou várias revoltas e tentativas de assassinato. Episódios dessa natureza não eram novidade em Roma. Uma das rebeliões, conforme referiu Suetônio no Livro II de De vita Caesarum, partiu de Télefo, um escravo nomenclator, que, supondo estar predestinado ao poder absoluto, tencionou o assassinato do imperador e a supressão do Senado. 
Mas que coisa, afinal, fazia um nomenclator? O costume de ter alguém que lembrasse ou apontasse o nome de pessoas começou, provavelmente, entre políticos, mas passou, depois, a toda a alta sociedade romana. Nomenclator, portanto, era o escravo que devia lembrar ao respectivo senhor o nome das pessoas que encontrava ou que recebia em casa, para festas e banquetes. Era isso que fazia o nomenclator Télefo, que, de acordo com Suetônio, era escravo de uma mulher. Abomino a escravidão, mas não discuto a utilidade de um nomenclator.
Mais uma pergunta: Como é que um cativo, desempenhando tão esdrúxula função, podia entalar na cabeça que estava predestinado ao poder absoluto? Deixando de lado a possibilidade de que algo não andasse bem com o cérebro desse indivíduo, devo fazer notar a meus leitores que, na mitologia grega, Télefo era um dos descendentes de Hércules. Como ter certeza de que tão ilustre homônimo não inspirasse delírios de grandeza ao escravo?
Há algo mais a considerar. Ao desempenhar suas tarefas diárias, um nomenclator estabelecia contato com personagens das altas rodas sociais e políticas. Indiretamente, acabava tendo certo poder, porque, se devia recordar a seu senhor ou senhora o nome de determinadas figuras, havia, também, muita gente que queria ser lembrada. Permanecendo longo tempo ao lado do proprietário, esse escravo ouvia conversas, percebia as sutilezas das relações sociais e do jogo político. Télefo, o nomenclator que tramou a morte de Augusto, ousou sair das pequenas indiscrições da vida quotidiana para ambicionar o impossível.


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