quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quem ainda escreve cartas?

Quando foi, leitor, que você escreveu sua última carta? Refiro-me, naturalmente, à correspondência de caráter pessoal, e não às cartas ditas "comerciais". Estive pensando e acho que devo ter escrito a última lá pelo início da década de 1990...
Não sabemos quem foi o primeiro a ter a ideia de enviar algo escrito para alguém, mas temos a certeza de que, na Antiguidade, correspondência era, geralmente, uma questão de Estado, isso porque poucas pessoas sabiam escrever e, portanto, para mandar uma carta era preciso contar com os serviços de um profissional especializado, o escriba. Assim, é graças a isso que sabemos muita coisa sobre o modo de vida e os costumes dos povos antigos, já que ao menos uma pequena parte de toda essa correspondência oficial acabou, de algum modo, sobrevivendo ao tempo e chegando até nossos dias. Não me entenda mal, leitor, mas a súbita decadência do Império Assírio significou a preservação da Biblioteca de Nínive que, não fora esse acaso (feliz para os historiadores, infeliz, lógico, para os assírios), poderia ter desaparecido completamente como a Biblioteca de Alexandria, ainda que seu material básico para os textos, as placas de argila, fosse algo mais resistente que frágeis papiros. E, como é em lugares assim que se encontra a maior parte da correspondência oficial do passado mais remoto, pode-se atualmente ter uma ideia do que era tratado nas antigas cartas enviadas a mando dos poderosos.
Demorou muito tempo para que a correspondência pessoal viesse a ser coisa corriqueira - como já disse, isso dependia da alfabetização tanto de quem escrevia como de quem recebia uma carta. Mas, gradualmente, escrever cartas tornou-se um hábito socialmente importante, enquanto que deixar de responder a uma carta recebida, não havendo motivo forte para isso, veio a ser quebra grave dos códigos de etiqueta. Tão importante foi o crescimento da função social das cartas que o chamado "gênero epistolar" (já possível nos dias dos antigos romanos) ganhou espaço  próprio no campo da literatura. Ao longo do tempo surgiram manuais de correspondência, livros com modelos de carta para todos os gostos e propósitos, esperando-se ainda dos professores que ensinassem a seus discípulos a arte da correspondência.
Mas tudo passa. E a era das cartas já ficou para trás, à medida que formas eletrônicas de correspondência, muito mais práticas, velozes e econômicas assumiram seu posto nas relações interpessoais. A despeito disso, conheço muitos jovens que fazem questão de ainda escrever cartas, não por necessidade, mas como um hobby, tendo o cuidado de escolher o papel e a caneta, caprichando na caligrafia e executando todo um ritual ao dobrar as folhas e colocar em um envelope. Ninguém, no mundo ocidental, costuma desejar viver em tendas, tendo que caçar para a alimentação e fazer fogo para cozinhar ou para sobreviver ao inverno. Entretanto, há muita gente que gosta de acampar nos finais de semana. Talvez com as cartas pessoais esteja acontecendo algo parecido.


Veja também:

4 comentários:

  1. Já escrevi e enviei e ja recebi
    muitas cartas nessa minha vida!
    Já mantive 2 núcleos de correspondência, um de Amigos e um de Missões. Sempre tive e ainda tenho minha caixa postal no correio.
    Meu último correspondente é meu amigo jornalista Leandro Vieira de SP, ele ainda estudante de jornalismo confeccionava os envelopes com folhas de revistas.
    Hoje não nos enviamos mais carta, mais nos falamos sempre.
    A ultima carta qie escrevi e enviei
    foi para a jovem Rebecca, há 2 anos e ela confirmou ter sido essa a 1a e única carta que ela recebeu em seus 13 anos.
    Adorei a matéria!
    Bjins
    Catiaho Alc

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    1. Conversei, há algum tempo, com algumas adolescentes que mantinham um "clube de cartas": escreviam quase todos os dias, com papeis e envelopes especiais, colocavam no Correio, tudo como antigamente. Era um hobby, do mesmo jeito que colecionar modelos de automóveis ou acampar. Sempre existe quem queira fazer as coisas "à moda antiga".

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  2. Pois bem (e com licença!), como eu gostaria de trocar cartas... Vou até deixar meu nome e endereço: Augusto César - A/C agência dos Correios - 12 140 -000, São Luiz do Paraitinga/SP. Como tenho quase 70 anos, por favor, não me escreva quem não gostar de velhos. E se não for mulher casada, vou me sentir mais confortável (evitar encrencas é sempre bom). Desejo escrever e trocar ideias, apenas isso - e já será muito proveitoso. Obrigado! Em 27 JUL 2017 - válido por 60 dias [prorrogáveis por mais 60 - (risos)]

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    1. Leitores do blog, está aí um leitor, o Augusto César, que gosta de escrever cartas e deixou o endereço para correspondência, ok?

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