quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Celulares, telefones, cartas e... Fofoca

Um dia desses alguém me falava de sua irritação diante de adolescentes, eles e elas, "colados" em um celular a qualquer hora do dia ou da noite. "Como é que arranjam tanto assunto?", dizia meu interlocutor.
Pois bem, leitores, o fenômeno não é novo e não começou com a telefonia móvel. A peçazinha em porcelana que se vê logo abaixo é dos anos quarenta (do século XX, claro), e ilustra bem o caso:

"Moça ao Telefone", c. 1940 (¹)

Como se vê, a menina está "colada" ao telefone, e o fenômeno devia ser frequente o bastante para ser eternizado em uma peça de decoração. Mas, dirá alguém, antes que se inventasse o telefone...
Antes que se inventasse o telefone, havia, por exemplo, o correio urbano, na Corte do Império do Brasil. Para dar ideia de como é que isso funcionava, selecionei três trechinhos da obra de Joaquim Manuel de Macedo, que tão bem retratou o Rio de Janeiro da época. Divirtam-se com eles, e vejam como o fenômeno se repete:

1. "E por último propuseste-lhe vir esta noite ao Teatro Provisório, no que Helena conveio logo, porque uma cartinha anônima levada pelo correio urbano já lhe havia anunciado em que camarote poderia ver a rival feliz." (²)

2. No dia seguinte Violante recebeu pelo correio urbano três cartas anônimas.
Na primeira Ambrósio e Claudiano eram postos pela rua da amargura: suas famílias, seu caráter e seus costumes eram horrivelmente despedaçados; em metade da carta predominava a verdade, na outra metade a calúnia espalhava veneno. Na segunda as vítimas eram Antônio e Claudiano, na terceira Antônio e Ambrósio. Cada um dos pretendentes tinha escrito a sua carta anônima. (³)

3. CRIADO - Pelo correio urbano uma carta para a sra. Susana (Teófilo e Júlia conversam)
TEODORA - Uma carta para minha tia!... Que novidade!...
FIRMINO (tomando a carta a Teodora) - Não conheço a letra do subscrito.
TEODORA - Nem eu.
FIRMINO (a Teodora) - Desconfio desta carta: não a devemos entregar.
TEODORA (a Firmino) - Cuidado! Teófilo está presente e talvez nos observe... não seria bonito...
FIRMINO (ao criado) - Leva a carta à sra. d. Susana (vai-se o criado) É a primeira vez que a nossa velha tia recebe carta pelo correio... o fato nos tornou curiosos.
TEÓFILO - Ah! (⁴)

Conclusão: Mudam os instrumentos, a fofoca permanece. Aliás, vale recordar que fofoca e maledicência não são a mesma coisa. A segunda é perversidade, já a primeira, pode até ser fator de coesão social. Quem ousaria discordar? Talvez alguém suficientemente desagradável para nunca experimentar o sabor de repassar alguma.

(1) Pertencente ao acervo do Museu Histórico e da Porcelana de Pedreira, SP. Peça de fabricação da Cerâmica Santana.
(2) MACEDO, Joaquim Manuel de. Remissão de Pecados.
(3) MACEDO, Joaquim Manuel de. Os Romance da Semana.
(4) MACEDO, Joaquim Manuel de. Uma Pupila Rica.


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