Como se sabe, um cavaleiro medieval, fundamentalmente de origem nobre, usava uma armadura bastante dispendiosa e pesada, cujo uso se aprendia através de longa prática que, iniciada ainda na infância, conduzia o futuro militar à perfeição no manejo das armas. Era pajem, depois escudeiro, finalmente um cavaleiro de verdade. Seu cavalo, igualmente treinado para o combate, era também protegido contra instrumentos perfurantes, que predominavam nos campos de batalha da época.
Tanto o custo de cavalo e armadura como o fato de ser necessário treinamento em tempo integral faziam com que os exércitos fossem, então, relativamente pequenos. Os deveres impostos pelas relações feudais se encarregavam, por outro lado, de manter o interesse dos soldados em sua árdua preparação: as guerras eram frequentes e o cavaleiro, encarnando o ideal de varonilidade, era respeitado.
Aos poucos, no entanto, esse padrão mudaria. Exércitos constituídos por camponeses arqueiros começaram a mostra-se valiosos contra a cavalaria, cujo deslocamento era complicado e que precisava, para o combate, estar frente a frente com o inimigo. Os arqueiros eram pouco dispendiosos, não precisavam de tanto treinamento militar quanto os cavaleiros e podiam atirar de longe, fazendo cair uma verdadeira chuva de setas sobre os inimigos, capaz de espalhar confusão entre os cavalos, principalmente se as condições topográficas fossem desfavoráveis. Finalmente, a introdução do uso de armas de fogo representou um golpe de morte sobre a cavalaria medieval. As antigas táticas, as armaduras, mesmo os ideais cavalheirescos foram sendo aposentados, tornando-se antes matéria para literatos de várias escolas do que prática quotidiana de guerra.
Houve quem lamentasse tal fato. Quem? Ninguém menos que Dom Quixote, o herói da Mancha retratado por Cervantes:
"Foram bons aqueles benditos séculos que careceram da espantosa fúria destes endemoninhados instrumentos da artilharia, cujo inventor, tenho para mim, está no inferno recebendo o prêmio de sua diabólica invenção, com a qual conseguiu que um braço infame e covarde tire a vida a um valoroso cavaleiro, e que, sem saber como ou de onde, na metade da coragem e brio que faz arder e anima peitos valentes, chega uma desmandada bala [...], e acaba num instante com os pensamentos e a vida de quem a merecia gozar por longos séculos."
Sorrimos diante da ingenuidade do anacrônico Cavaleiro da Mancha. Mas, deixando de lado a questão puramente militar, não vivemos rodeados dos que odeiam as novas tecnologias, apenas porque elas parecem matar um mundo aparentemente tão cômodo e estável, que lhes traz a sensação de conforto que tanto temem perder? Como negar, todavia, que têm lá suas razões?
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