Um prosaico anúncio de jornal pode, se devidamente analisado, fornecer, a quem se interessa pela História, uma visão muito interessante dos costumes de uma época. Este, que aí está, ao lado, publicado no jornal Aurora Paulistana, na edição de 29 de novembro de 1852, é um ótimo exemplo disso.
Divulga, como se vê, o "Bazar Fluminense", estabelecimento comercial que se inaugurara há pouco na capital do Império, o Rio de Janeiro. Então, dirá talvez um leitor deste blog, porque se fazia publicar tal anúncio em um jornal de São Paulo?
Ora, nesses tempos pré-ferrovias, quase todas as mercadorias de importação, de maior qualidade, ainda entravam pelo porto do Rio de Janeiro (o de Santos viria a ter prioridade a partir da explosão nas exportações de café). Por isso, quem queria artigos finos, tinha de recorrer às lojas do Rio, de modo que estas tratavam de anunciar suas mercadorias também nas Províncias. Aliás, a ênfase da propaganda está justamente nisso: o "Bazar Fluminense" encarregar-se-ia de fazer cuidadosamente a remessa dos produtos encomendados: "A direção do Bazar Fluminense encarrega-se de mandar encaixotar e remeter a seus destinos quaisquer objetos que lhe forem encomendados e prontamente pagos..."
Cabe recordar que, naqueles dias, São Paulo estava longe de ser uma metrópole, a despeito de sua condição de capital da Província - nas décadas subsequentes, no entanto, a prosperidade gerada pelo café mudaria tudo.
E que é que vendia o "Bazar Fluminense"? Essa informação tem relevância, porque nos dá um panorama do que interessava aos consumidores da época. O próprio anúncio responde: "Este estabelecimento é o único de seu gênero nesta Corte, porque nele se reúnem muitos dos objetos que constituem o sortimento das lojas de fazendas (¹) e de armarinho (²), de louça e de ferragem, de ourives e relojoeiro, de roupa e de calçado, de mobília, de livros e papel, etc."
Um outro aspecto interessante que aparece no anúncio que analisamos é a referência à Guarda Nacional: "A Direção do Bazar encarrega-se igualmente de mandar aprontar pelos últimos preços tudo que pertence ao fardamento e uniformes dos Srs. Oficiais da Guarda Nacional".
Explica-se: Criada no Período Regencial, na intenção de estabelecer uma força leal ao Império que ajudasse a manter a ordem em meio às rebeliões que estouraram após a abdicação de Dom Pedro I, a Guarda Nacional veio a ter uma importância política considerável em alguns momentos, e era, entre a elite, uma questão de honra e zelo pela reputação pertencer a ela e, naturalmente, comparecer em fardamento impecável nas festas e bailes que faziam a diversão da alta sociedade durante os tempos imperiais. O aviso sobre a venda de fardamento era, por isso, relevante!
Finalmente, uma dolorosa recordação do maior drama social daqueles dias, a escravidão: "Todas as vendas serão acompanhadas de uma conta a mais circunstanciada, máxime quando forem feitas por intermédio de criados ou escravos..."
Vê-se, por aí, meus leitores, que a propriedade de seres humanos por outros humanos parecia, em 1852, absolutamente natural, pelo menos para a maioria das pessoas que vivia no Império do Brasil. Mas não reajamos com espanto. Há muita coisa absurda também hoje, e às vezes nem nos damos conta.
(1) Tecidos.
(2) Artigos para costura, bordado e outros trabalhos manuais feitos com agulhas.
(1) Tecidos.
(2) Artigos para costura, bordado e outros trabalhos manuais feitos com agulhas.
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