terça-feira, 11 de setembro de 2012

Antônio Conselheiro não foi o único...

Na postagem anterior tratei de Antônio Conselheiro, o místico sertanejo que liderou o movimento de Canudos, em fins do século XIX. Pois bem, o Brasil do século XIX teve várias dessas personagens, algo místicas, algo alucinadas, não necessariamente perigosas, no entanto, tampouco liderando multidões de adeptos. O curioso, como também mencionei na última postagem, era o papel que a religiosidade desempenhava nas alucinações de alguns - extensão, por suposto, de uma sociedade em que a religião tinha uma função muito mais destacada e enfática do que atualmente. Veremos, a seguir, dois exemplos.
O primeiro deles foi relatado por Saint-Hilaire, durante sua viagem pelo Rio Grande do Sul e Uruguai, algum tempo antes da Independência do Brasil. Tratava-se de um francês radicado no Brasil, excelente pessoa, dedicado a um nobre trabalho social, mas que alegava ter visões com ninguém menos que a Virgem Maria:
"O segundo francês que fui ver é um homem culto, mas muito singular. Há muito tempo deixou seu país, fala perfeitamente o português e compõe até versos nessa língua. [...] M.T. demonstra bom senso, instrução, alegria, mas acredita ter visões; imagina que a Virgem lhe fala e faz milagres em seu favor. Essa mania, contudo, só o leva a praticar atos virtuosos. Ele se julga obrigado a ensinar a mocidade e frequentemente tem ido a localidades muito distantes lecionar, para obedecer, disse-me ele, às ordens da Virgem, que atendera às preces das boas mães de família em favor de seus filhos.
É ainda por ordem da Virgem que ele reside em São Francisco de Paula, instruindo as crianças sem exigir retribuição alguma, não aceitando nem sequer o indispensável para satisfazer as necessidades mais urgentes da vida. Fiquei sensibilizado pelo ar de persuasão e simplicidade com que me falou das revelações de que é honrado pela Virgem e não o fiquei menos pelo carinho que ele demonstra por seus alunos e a doçura com que lhes fala. "Tenho a missão", disse-me ele, "de lhes ensinar o Evangelho; falo-lhes do Menino Jesus, represento-O belo e bondoso, tal como deve ser, e lhes proponho tomarem-NO por modelo."" (¹)
E o naturalista francês ainda conclui:
"M. T. louva muito a docilidade e a boa vontade de seus discípulos; mas queixa-se de que os pais destruam sua obra. Clama contra a pouca religião dos padres, contra a falta geral de instrução, cobiça e a má-fé dos habitantes desta capitania." (²)
Posso bem imaginar que alguns de meus leitores estejam lamentando que maníacos desse tipo não apareçam com mais frequência...
O segundo caso é, sem dúvida, mais dramático e destrutivo. O relato, porém, é breve:
"Na Vila do Rosário (Sergipe) o padre José Rodrigues de Freitas suicidou-se com uma navalha, decepando a garganta. Principiou a sofrer de monomania religiosa, ora considerando-se Pontífice, ora o Espírito Santo, e resolveu suicidar-se, esperando ressuscitar no dia seguinte." (³)
O fato ocorreu em 5 de março de 1867, e não se tem notícia de que tenha, desde então, ressuscitado. Esperava outra conclusão, leitor?
 
(1) SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 115.
(2) Ibid.
(3) Folhinha de Modinhas Para o Anno Bissexto de 1868. Rio de Janeiro: Antônio Gonçalves Guimarães & Cia, p. 171.


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