Mais que filhos de seus pais biológicos, os bebês que nasciam em Esparta eram considerados filhos da cidade-Estado. Essa premissa é fundamental para que se compreenda a história horripilante que virá a seguir. Pode também ser levada em conta para que se veja, sem margem a dúvidas, que ideias de eugenia ou "aperfeiçoamento da raça" não nasceram em cérebros do Século XIX, com aplicação em larga escala no Século XX - são muitíssimo mais antigas.
Quando um bebê nascia em Esparta, disse Plutarco (¹), "não se dava nem ao pai e nem à mãe autorização para criá-lo a seu gosto, sendo antes levado pelo pai ao lugar de reunião do Conselho, onde se assentavam os mais idosos [...]" (²). Lá acontecia uma inspeção rigorosa, cujo objetivo era verificar se a criaturinha recém-chegada ao mundo tinha, sob o ponto de vista das leis de Esparta, algum defeito que a incapacitasse para a carreira das armas. Ora, se o bebê era bonito e robusto, bem estava. Mas, se era considerado fraco e doentio, sua vidinha seria bem curta:
"Quando se lhes apresentava [ao Conselho de Anciãos] um bebê feio, franzino ou com alguma deformação dos membros, levavam-no imediatamente ao lugar [...] em que devia ser jogado, que se localizava junto ao monte Taigeto, que era alto e repleto de asperezas, como se fora um rochedo partido. Esse costume, que poderia parecer cruel, era praticado porque, se percebiam que desde o nascimento faltava [aos bebês] as características naturais que os fariam semelhantes aos seus concidadãos [...], não seriam úteis nem a si mesmos e nem à cidade. Para que não se tivesse trabalho em criar algum que depois causasse dano ou infortúnio à cidade, [os espartanos] achavam correto que, logo após o nascimento, fossem mortos os que tivessem defeitos, em lugar de consentir que crescessem e, com o passar do tempo, viessem a ser ainda maiores suas incapacidades." (³)
Será que estou ouvindo um silêncio lacônico?
O menino que passava pela inspeção dos anciãos e era aprovado voltava para casa nos braços do pai, era banhado em vinho (um costume espartano) e criado pela família até que tivesse sete anos. Nesse ponto, a cidade-Estado assumia a sua educação, para fazer dele um guerreiro temido em toda a Grécia.
(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) PLUTARCO. Vitae parallelae. Os trechos dessa obra aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Ibid.
Veja também:
História interessantíssima. Estava a ler sobre a Grécia antiga e sua cultura machista, e na matéria diziam que não deveríamos julgar pensamentos de povos antigos com outras visões de mundo. Naquele caso em especial eu não concordei tanto, mas nesse eu meio que enxergo isso.
ResponderExcluirAtualmente um PCD deve ser aceito, e devemos todos lutar por sua inclusão, pois a mente hoje importa muito mais (Hawking que o diga), mas em tempos mais mórbidos (não especificamente de Esparta, que me parece apenas crueldade), uma pessoa sem braços poderia de fato "atrapalhar" os demais.
Mas de qualquer forma, fico feliz que tenhamos evoluído em muitos sentidos, e esse é um deles.
Adorei seu blog, trás conhecimento histórico resumido e com fontes para aquele que desejar se aprofundar mais no tema. Excelente conteúdo.
Olá, Pedro Bernardo, não há dúvida de que, em se tratando dos valores de diferentes culturas, há espaço para alguma relativização. É prudente avaliar se nossos julgamentos não estão sendo moldados por aquilo que consideramos certo ou errado. Contudo, é também verdade que compaixão, solidariedade, respeito pelas diferenças, são valores que nos tornam seres humanos melhores, até porque, em algum aspecto, todos temos limitações, não é mesmo?
ExcluirObrigada por sua visita a este blog. Apareça sempre!
Pragmatismo em demasia, sem dúvida. Por isso Esparta, apesar das crónicas heróicas, não floresceu.
ResponderExcluirAbraço, Marta :)
Exatamente. Por essa e por outras é que Esparta foi Esparta.
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