quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Por que escravas vendeiras não tinham permissão para trazer mercadorias perto das minas

Quitandeiras, fossem elas escravas ou livres, enfrentavam pesadas restrições ao trabalho no Distrito Diamantino. Isso acontecia porque se supunha que elas eram parte da engrenagem que permitia o extravio ou contrabando de diamantes, considerados monopólio da Coroa pela legislação do Século XVIII.
Sabe-se, contudo, que as quitandeiras, também chamadas vendeiras, não eram muito apreciadas pelas autoridades das minas, inclusive nas áreas em que se extraía ouro. Por quê?
Um bando passado em 22 de março de 1728 determinava:
"Para que os escravos não roubem a seus senhores, tentados pelas negras vendeiras, de tabuleiro à cabeça, ordeno que se lhes sequestre a mercadoria, a fim de que não apareçam de novo. Se alguém desses escravos se aproximar, como de um tendeiro, ou de um taverneiro, deverá ser preso por qualquer oficial da milícia e em seguida metido na cadeia." (*)
A partir disso podem ser feitas várias considerações. Querem ver, leitores?
1. As quitandeiras ou vendeiras nem sempre eram escravas, embora muitas fossem. Havia vendeiras livres, que trabalhavam para si mesmas, mas havia também as cativas, que vendiam nas ruas aquilo que lhes era fornecido pelo respectivo senhor ou senhora.
2. Um tabuleiro de quitandeira ou vendeira podia ter uma infinidade de coisas: frutas, verduras, pães, doces, salgados, biscoitos, até cachaça... Entende-se com facilidade por que motivo sua presença era uma tentação para os escravos, geralmente submetidos a condições ruins de alimentação.
3. Devido ao problema crônico da falta de víveres nas minas, as vendeiras, ainda que praticassem preços exorbitantes, não deviam ter muita dificuldade em encontrar compradores para suas mercadorias.
4. Às vezes um escravo podia dispor de algum recurso próprio, mas não era descabido imaginar que surrupiasse um pouco de ouro em pó do local em que trabalhava para comprar mercadorias oferecidas pelas vendeiras. Pode-se deduzir, portanto, que o bando de 22 de março de 1728 fosse passado, ao menos em parte, em consequência de reclamações de mineradores proprietários de escravos.
5. A presença de uma vendeira junto ao local de mineração já deveria, por si, provocar distração entre os trabalhadores, tirando-lhes a atenção da tarefa que se esperava que fizessem.
6. O próprio pagamento de mercadorias com ouro em pó era proibido. Todo o ouro encontrado deveria ser levado a uma casa de fundição, transformado em barras com o selo real e quintado. Só depois é que poderia circular.
7. Finalmente, se o ouro em pó, ainda que em pequena quantidade, fosse usado nesse tipo de comércio, os reais quintos a ele relativos dificilmente seriam arrecadados, constituindo-se, pois, em um problema adicional para as autoridades coloniais.
Então, se as vendeiras atrapalhavam a mineração e, por consequência, a arrecadação dos quintos, era mais fácil afugentá-las com ameaças aterradoras. Difícil é saber até que ponto funcionavam.

(*) Cf. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 163.


Veja também:

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Certamente. E, se levarmos em conta que ninguém se daria ao trabalho de proibir o que nunca acontecia, poderemos presumir que as vendeiras não eram uma aparição incomum nas minas.

      Excluir
  2. A minha ignorância, neste campo, é extrema.
    Sempre a aprender consigo, Marta. Grato.

    Um abraço :)

    ResponderExcluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.