segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O Distrito Diamantino e o contrabando de diamantes do Brasil

Restrições severas à extração de diamantes não impediam o contrabando



Escravos trabalhando na mineração de diamantes (¹)

Em fins do Século XVII descobriu-se ouro no Brasil e, um pouco mais tarde, foram também encontradas ricas jazidas de diamantes. Vinha tudo isso em boa hora para a Real Fazenda, de modo que logo foram adotadas algumas medidas para a cobrança dos Reais Quintos de todo o ouro encontrado. Acontece que, a despeito do nome, nem sempre os Reais Quintos eram, de fato, 20 % da produção aurífera, já que acordos entre mineradores e governantes estipulavam, às vezes, um número fixo de arrobas que deveria ser entregue como imposto e, se os Quintos não chegassem a tanto, era feita a famosa "Derrama", ou seja, a cobrança per capita para que a quantidade de ouro se completasse. Havia, também, o recurso às Casas de Fundição, nas quais todo o ouro extraído devia, obrigatoriamente, ser transformado em barras e quintado, proibindo-se o comércio de ouro em pó, a não ser em pequeníssimas quantidades, apenas para os usos quotidianos, relacionados, por exemplo, à aquisição de alimentos. Os "descaminhos do ouro", como se dizia, eram, não obstante, notáveis.
No entanto, se quanto ao ouro os governantes tinham a possibilidade de recorrer às Casas de Fundição, não podiam, evidentemente, fazer o mesmo com diamantes. Não havia como transformá-los em barras, é claro, daí a legislação verdadeiramente draconiana instituída para reger o funcionamento do Distrito Diamantino (²), bem como o transporte dos diamantes das minas para o Rio de Janeiro, de onde deviam seguir, tão rápido quanto possível, para o Reino.
Decidiu-se que os diamantes seriam exclusivamente para a Coroa, o que nos leva à necessidade de uma explicação: as terras governadas por um monarca absoluto eram tidas como sua propriedade. O rei podia, desse modo, dispor das jazidas minerais como bem entendesse, reservando para si o que achasse conveniente. Em poucas palavras, o povo em geral, era formado por vassalos, não por cidadãos, cabendo, pois, acatar, sem discórdias, a vontade do soberano (³). Por outro lado, é certo que El-Rei não viria em pessoa buscar os tais diamantes, de modo que a mineração foi inicialmente cedida, por contrato, a grandes empreendedores; depois, passou a ser feita sob controle direto das autoridades estabelecidas pela Coroa, mediante a Real Extração do Tijuco. 
O Regimento Diamantino (vulgarmente chamado "Livro da Capa Verde"), um dos regulamentos mais odiados de todos os tempos, determinava, dentre outras disposições que:
  • O intendente nomeado pelo governo português tinha autoridade quase ilimitada em sua jurisdição, suas decisões tinham força de lei e não se admitiam advogados que pudessem obstar suas ordens.
  • Apenas o comércio indispensável era permitido dentro do Distrito, já que comerciantes eram vistos como potenciais contrabandistas de diamantes;
  • As pessoas, não importando quem fossem, somente podiam entrar e sair do Distrito mediante autorização do Intendente;
  • Somente podia residir no Distrito Diamantino aquele que provasse que ali tinha ocupação legítima, sendo permitido ao intendente expulsar quem quisesse, não cabendo jamais qualquer apelação;
  • O garimpo por indivíduos ou pequenos grupos de trabalhadores era estritamente proibido;
  • Era também proibida a extração de ouro onde fosse constatada a existência de diamantes;
  • Quem fosse capturado extraindo diamantes sem autorização era sumariamente condenado a penas severas, que incluíam dez anos de degredo na África, além da óbvia apreensão dos diamantes que em seu poder estivessem.
Com regras assim, não seria surpresa a ocorrência de inúmeras arbitrariedades. No entanto, para desespero da Real Coroa e de sua Real Extração, o contrabando ocorria, e a prova palpável dele era a entrada de diamantes provenientes do Brasil, de maior qualidade que os remetidos a Lisboa, em mercados na Inglaterra e na Holanda. E, naturalmente, por menor preço. 
Joaquim Felício dos Santos, em suas Memórias do Distrito Diamantino, observou: 
"Em todos os tempos, em todas as circunstâncias, na demarcação nunca deixou de haver garimpeiros e contrabandistas: era só questão de mais ou menos." (⁴) 
E ainda acrescentou: 
"O diamante, mercadoria de peso e volume insignificante em proporção do valor, era de facílima ocultação: ia muitas vezes cosido na roupa, dentro de uma abertura praticada no cabo de um punhal, na coronha de uma arma, na madeira dos móveis; o contrabandista dispunha de mil maneiras de o transportar ocultamente." (⁵)
Os métodos inadequados de exploração das jazidas de diamantes resultaram em seu rápido esgotamento, ao menos sob o aspecto comercialmente viável. Pela época da vinda da Família Real ao Brasil (1808) os rendimentos que proporcionavam eram pequenos, não chegando a compensar as despesas que, diga-se de passagem, eram, a essa altura, já pouco significativas. Com isso, a brutal severidade do Regimento Diamantino foi posta de lado, não sendo a Intendência tão estrita em fazê-lo observar como nas décadas precedentes. Um pouco depois da Independência o desenhista francês Hércules Florence, membro da Expedição Langsdorff, observou:
"Todos os mineiros são obrigados a vender os diamantes e ouro que extraiam ao governo. No tempo colonial pesadas penas, como confisco, prisões e ferros por muitos anos, foram infligidas aos que eram pilhados a fazer contrabando. Hoje, porém, essa prática da legislação caiu em desuso." (⁶)
Vê-se, então, que, em se tratando de História, não há opressão que não tenha fim. Algum dia tudo muda ou (se) acaba. É só uma questão de tempo, mesmo.

(1) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi restaurada digitalmente e editada para facilitar a visualização neste blog.
(2)  Área demarcada exclusivamente para a extração diamantífera
(3) Apesar disso, sempre havia contestadores, muitos discretos, uns poucos mais explícitos.
(4) SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1868, p. 203.
(5) Ibid., p. 205.
(6) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 149.


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6 comentários:

  1. Muito bom, forneceu diversos detalhes sobre o assunto, ajudou meu estudo. Só percebi que havia excesso de texto e a letra pequena demais. Recomendo o "post".

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    1. Boa tarde, amigo leitor, é bom saber que encontrou aqui algo útil para seus estudos.
      Como você não disse em que tipo de aparelho acessou o blog, estou supondo que seja por um Smartphone, e que usou a versão para web. Se for esse o caso, escolha a opção “Visualizar versão para celular” no final da página, e não terá dificuldade com o tamanho das letras. A fonte usada na versão para computador é maior que a usada na maioria dos blogs, e dificilmente alguém teria problema para ler.
      Embora leitores de todas as idades sejam sempre bem-vindos aqui, é fato que os textos deste blog são escritos pensando em leitores adultos, escolarizados e que têm interesse por História. Assim, o conteúdo, a forma, o vocabulário e a extensão dos textos são voltados para esse público. Este mesmo assunto, se fosse escrito com propósitos didáticos, seria completamente diferente, é claro. Tenho recebido mensagens e e-mails pedindo que faça mais um blog, dessa vez para público infantojuvenil, mas hoje não disponho de tempo para isso. Quem sabe, em algum momento no futuro, será possível.
      Obrigada por sua visita ao blog e pelas sugestões. Tenha uma ótima tarde!

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    2. Tenho prova amanhã sobre Brasil Colonial.

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    3. Hmmm, desejo a você boa sorte na prova.

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  2. Muito bom rever uma história antiga pra hoje . como o tempo passa rápido e mudou muito.

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    1. Você tem toda razão: as mudanças estão acontecendo muito depressa. Só não tenho certeza de que cada mudança seja sempre para melhor. O que se pode dizer? É a dinâmica da história, não?

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