segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Faca de tropeiro

Caravana de tropeiros descansando em um rancho, de acordo com Rugendas (¹)

Quando as ferrovias não existiam, o transporte de cargas no Brasil era feito por meio de tropas de muares. À noite, os tropeiros juntavam-se em ranchos muito simples, nos quais podiam preparar a comida e ter algum descanso, mas, invariavelmente, também passavam horas tocando viola e cantando. Daí talvez é que que venha a visão um pouco romântica que vulgarmente se tem deles. 
A verdade, porém, era outra. As estradas da época eram péssimas, isso quando existiam. Percorrer caminhos tão ruins requeria gente rude, capaz de suportar grandes adversidades. O estilo de vida seminômade que levavam favorecia, não raro, que delitos praticados por tropeiros nunca tivessem os responsáveis capturados e punidos. São frequentes os relatos, principalmente do Século XIX, que dão conta de fraudes, furtos e mesmo assassinatos perpetrados pelos condutores de tropas de muares. Não obstante, seria pouco razoável supor que a totalidade dos tropeiros era composta por delinquentes. Longe disso.
Devido às dificuldades dos caminhos que devia percorrer, sendo às vezes preciso desbastar vegetação espessa, todo tropeiro tinha uma ferramenta indispensável, conhecida como "faca de tropeiro". Daniel P. Kidder, missionário e pastor metodista que esteve no Brasil entre 1837 e 1840, descreveu-a assim:
"Todos eles [os tropeiros] trazem grande facão de mato preso à cinta, do lado de trás. Essa faca de ponta talvez seja para eles de maior utilidade ainda que para o marinheiro. Serve para cortar madeira, consertar arreios, cortar carne e, em caso de necessidade, para se defenderem ou mesmo assaltarem. A lâmina tem uma curva toda especial, e, para ser boa, precisa ter resistência suficiente para cortar um bom pedaço de cobre sem quebrar nem entortar." (²)
Cada tropeiro devia ter grande apreço per essa arma/ferramenta, pelo que Kidder ainda diria:
"Sendo a faca sua companheira inseparável, tem esta frequentemente o cabo de prata e às vezes a bainha do mesmo metal, conquanto em geral seja usada nua." (³)
Seria necessário dizer que a tal ferramenta era, afinal, também muito útil para impor respeito?

(1) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence ao acervo da Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização.
(2) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil. 
Brasília: Senado Federal, 2001, pp. 177 e 178.
(3) Ibid., p. 178.


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