Há diferença, tecnicamente, entre roubo e furto: no primeiro caso, entende-se que algo é subtraído de seu legítimo proprietário com emprego de violência; no segundo, o dono pode nem perceber, num primeiro momento, que algo desapareceu... No assunto de que trataremos hoje, porém, tanto caberia, em alguns casos, o termo "roubo", como, em outros, a palavra "furto". O que interessa é que ambas as situações não eram de todo incomuns nos ranchos que, à beira de estradas, recebiam, antigamente, os tropeiros e viajantes. Portanto, quando for mencionado um delito, entendam também a possibilidade do outro.
Será ótimo se deixarmos de lado, leitores, qualquer tendência de tornar romântico o passado. Viajar pelas péssimas estradas existentes no Brasil entre os Séculos XVIII e XIX era bastante perigoso, sendo invulgares, senão desconhecidas, as viagens turísticas (¹). Como regra geral, só viajava quem tinha necessidade estrita. O brigadeiro Cunha Matos (²) anotou, em seu Itinerário, o caso de um oficial militar assassinado por um tropeiro que contratara. O motivo - óbvio - é que esse indivíduo pretendia roubá-lo:
"Às 11 horas e 10 minutos (³) cheguei ao Córrego da Sepultura por se achar enterrado ao pé de uma cruz o Major Raimundo de S. Paulo, que aí foi assassinado pelo seu tropeiro, auxiliado segundo dizem, pelos Pereiras do Porto do Paranaíba, a fim de o roubarem." (⁴)
Menos drástico e mais frequente era o sumiço de animais de carga, das próprias cargas e de pertences de uso pessoal de tropeiros e viajantes. Sendo escasso o policiamento, até mesmo nas povoações maiores, pode-se bem imaginar o que acontecia nesses ranchos precários, à margem de precaríssimas estradas. É também por um registro feito por Cunha Matos em maio de 1823 que podemos ter uma ideia do grau de vigilância necessário a quem se aventurava por rotas terrestres:
"O número de bestas que aqui [em Barbacena - MG] se furta é incrível, e não se passam horas sem que o comandante do distrito receba queixas e reclamações, não só dos moradores da vila, mas também dos viandantes que se acomodam nos [...] ranchos." (⁵)
Cabe esclarecer que situação análoga pode ser admitida, na mesma época, para quase todo local de pouso. Uma questão, todavia, se impõe: por que era tão fácil surrupiar mulas?
A cada entardecer formava-se nos ranchos um ajuntamento de pessoas tão variado quanto numeroso, sujeitas a um convívio forçado que não passava de uma noite. Na manhã seguinte, tropas de muares e viajantes se dispersavam, seguindo cada qual seu rumo, sendo restrita a probabilidade de um novo encontro. Situação perfeita para os ladrões, portanto, que, na escuridão noturna, desapareciam por entre terras incultas, indo, talvez, a algum outro rancho, para vender os animais roubados, enquanto se mantinham à espreita de ocasião favorável para nova pilhagem.
(1) A melhoria de algumas estradas e, principalmente, a implantação de ferrovias, tornaram mais frequentes as viagens como passeio.
(2) 1776 - 1839.
(3) No ano de 1823.
(4) MATOS, Raimundo José da Cunha. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão Pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional, 1836, p. 91.
(5) Ibid., pp. 37 e 38.
(6) O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(6) O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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