quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Parem a música!

Na paz ou na guerra, a música pode ser uma ferramenta poderosa (que, às vezes, sai do controle)


"A unidade alemã e a unidade italiana são devidas, antes de tudo, à vocação lírica das duas nações (¹). Cavour sem Verdi, Bismarck sem Wagner não fariam o que fizeram. A música é a ilustre matemática, apta para resolver todos os problemas. É pelo contraponto que o presente corrige o passado e decifra o futuro."
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 8 de julho de 1894

Quem é que não sabe que a música pode ter um efeito espantoso sobre o estado de ânimo das pessoas? Pode tranquilizar os agitados, reforçar sentimentos amorosos, excitar o ódio ou patriotismo (esses últimos não deveriam andar juntos, mas vão, muitas vezes pelo mesmo caminho). Foi assim no passado, e continua a ser até hoje. Muito se tem dito sobre os valores incitados por alguns hinos nacionais. Camufladas em palavras de um idioma desconhecido, ideias exclusivistas e xenofóbicas são entoadas até mesmo em eventos esportivos que deveriam promover a paz e a fraternidade entre os povos. Contradições humanas, certamente.
Ficando apenas no terreno da chamada música erudita, quase não haverá compositor que não se tenha aventurado em alguma obra de caráter militar e/ou nacionalista e/ou patriótico e/ou ufanista, e por aí vai. Afinal, era útil para assegurar as boas graças de um soberano ou de algum nobre envolvido com assuntos bélicos, em tempos em que dispor de um patrono abonado não era mau negócio.  Nem Beethoven escapou - compôs Wellingtons Sieg, ou A Vitória de Wellington (o título é autoexplicativo). E, como se fora pouco, até a música composta para fins eminentemente religiosos acabou usada, a posteriori, para propósitos nacionalistas, como se exemplifica por Ein fest Burg ist unser Gott, do reformador Martinho Lutero (²), que pode ser ouvida na Kaisermarsch composta por Wagner (³) em 1871, no contexto na unificação da Alemanha. Associar política e religião não era nenhuma novidade no Século XIX e, infelizmente, parece que ainda não saiu de moda.
Vamos terminar, leitores, com uma divertida tradição que vem da Antiguidade. Está dito que a música foi e é frequentemente usada para incentivar o patriotismo. Pois bem, conta-se que Filipe II da Macedônia, o pai de Alexandre, o Grande, teve de proibir a música entre suas tropas. A razão era simples: sob o estímulo daquilo que ouvia e cantava, a soldadesca era tomada por violenta excitação, tornando-se incontrolável. Não sabemos, agora, quais eram as palavras usadas, tampouco conhecemos as melodias, mas, se essa história for mesmo verdade, um estudo das canções bélicas dos antigos macedônios seria emocionante, concordam? Pena que já não estejam disponíveis!

(1) Machado não falava sério - ou falava?
(2) Que, obviamente, jamais pretendeu tal uso, 
(3) Ao que tudo indica, essa música não teve sobre o Kaiser o efeito esperado por Wagner.


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2 comentários:

  1. Muito bom. Não conhecia esse texto de Machado de Assis, mas sem dúvida, a música mexe com as emoções e com os ânimos. Os tempos também mexem com a criatividade Muitos falam que músicas compostas durante períodos de exceção, como as ditaduras, são muito mais ricas e significativas em termos de letra do que as de hoje. Eu tenho opinião sobre isso. Abraços.

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    1. Olá, Anita, boa tarde!
      A riqueza e criatividade das músicas compostas em tempos difíceis são um fato, pelo menos em alguns casos. Provavelmente você se refere àqueles que pensam assim em relação à MPB dos anos 60 e 70 do século passado. Um aspecto interessante, porém, que não deve ser desconsiderado, é o panorama internacional da época, no qual a música brasileira se inseria. Foi um tempo em que as várias formas de arte - música, entre elas - foram bastante usadas como protesto, como instrumento de ruptura com velhas tradições, ainda que não possamos desconsiderar o aspecto mercadológico e os interesses comerciais envolvidos. É assunto muito amplo, concorda?

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