A descoberta de ouro no Brasil, em fins do Século XVII, levou a administração portuguesa a adotar uma série de medidas para garantir que os Reais Quintos (um imposto de 20%) fossem, de fato, pagos à Coroa lusitana, como determinava a lei. Ora, a obrigação de pagar ao rei o quinto do ouro era bem conhecida, e os mineradores não podiam, de modo algum, supor que não lhes seria exigida.
O Livro Segundo, Título XXXIV, § 4 das Ordenações do Reino determinava:
"E de todos os metais que se tirarem, depois de fundidos e apurados, nos pagarão o quinto, em salvo de todos os custos." (¹)
Porém, a ordem para o estabelecimento de casas de fundição provocou insatisfação geral, inclusive com a rebelião de 1720 em Vila Rica, conhecida como Revolta de Filipe dos Santos (²).
Ora, que vinha a ser uma "casa de fundição"?
Era um estabelecimento público onde todos os mineradores deveriam levar todo o ouro encontrado; lá o ouro era obrigatoriamente transformado em barras e "quintado", ou seja, descontavam-se os 20% que eram encaminhados ao Reino. Depois disso, o ouro que sobrava, em barras que levavam o selo real, era devolvido ao dono. Fica entendido que era formalmente proibido na Colônia o transporte e comércio de ouro em pó, mas entre uma coisa proibida e aquilo que de fato acontece vai, às vezes, uma distância muito grande.
Excetuando-se o fato de que a criação de casas de fundição era irritante porque muitos mineradores pretendiam simplesmente sonegar os Reais Quintos, havia, porém, uma queixa justificada contra elas, de que o ouro que era devolvido em barras nunca correspondia aos 80% devidos. Recebia-se sempre menos, e os senhores leitores não terão dificuldade em imaginar o motivo. Funcionários das casas de fundição encontravam meios fáceis de subtrair ouro para si mesmos. Não é estranho, portanto, que a ordem para o estabelecimento de casas de fundição fosse vista com tanta antipatia, de modo que levou tempo para que finalmente fossem criadas e postas em pleno funcionamento. A despeito delas, ou quem sabe por causa delas, o contrabando de ouro era brutal. Autores da época afirmavam que muito mais era o ouro dos "descaminhos" que aquele que era transformado em barras e quintado.
*****
A ideia de fundir o ouro para entesourá-lo é muito antiga. De acordo com Heródoto, os monarcas da Pérsia já adotavam a prática:
"O monarca persa, para guardar as riquezas no tesouro, costuma colocar ouro e prata derretidos em formas de barro, até que estejam completamente preenchidas e, quando o metal endurece, as formas são retiradas. Assim, sempre que precisa de dinheiro, as peças de ouro e prata vão sendo cortadas." (³)
Os leitores percebem que, na ocasião em que o método descrito por Heródoto era empregado, o uso de um padrão monetário que poderia ser chamado de moeda ainda não estava em uso entre os persas, ao menos para as grandes quantidades de metais preciosos de que o monarca costumava dispor.
(1) De acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
(2) Filipe dos Santos, minerador português que liderou a revolta de 1720, foi preso e executado, com requintes de crueldade - tudo plenamente de acordo com a legislação da época.
(3) Tradução de Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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