Vai aqui uma história que bem merecia começar com um "há muitos e muitos anos..".
Pois bem, há muitos e muitos anos, no nono ano de governo de Tibério em Roma (¹), levantou-se uma polêmica no mundo governado pelos romanos quanto ao direito de asilo em templos e altares de diferentes deuses.
Explica-se: era crença geral que pessoas acusadas injustamente de alguns crimes podiam obter asilo, de modo que não fossem presas e punidas, se conseguissem adentrar certos templos, chegando ao altar consagrado a um certo deus. Não era todo e qualquer templo que detinha esse privilégio, e aí é que começou a confusão, porque todo mundo queria que deuses e altares de suas respectivas cidades fossem reconhecidos como locais de asilo.
Está ficando complicado, senhores leitores? Vem mais: o privilégio de asilo tornou-se alvo da mais ignóbil corrupção, uma vez que reles bandidos de toda espécie, culpados de crimes comuns, corriam a buscar refúgio nos templos. Diante disso, o governo romano, que queria moralizar a questão do asilo, estipulou um prazo para que representantes das cidades cujos templos se pretendiam com o tal direito comparecessem a Roma para defender sua posição.
Através dos Annales registrados por Tácito, historiador romano, ficamos sabendo que os primeiros que chegaram à capital foram os enviados de Éfeso:
"Os primeiros homens que se apresentaram foram os de Éfeso, alegando que, contrariamente à crença popular, Diana e Apolo (²) não haviam nascido em Delos, mas sim no território que pertencia a Éfeso em Ortígia, às margens do Cencrium, onde, junto a uma oliveira, sua mãe, Latona, vendo chegada a hora do parto, apoiou-se para dar à luz." (³)
Ártemis ou Diana, Século V a.C. (⁴) |
Ora, sucede que outras cidades também arrazoavam com fatos (que nós consideraríamos mitológicos), reclamando para si o privilégio de asilo com base no culto da caçadora Diana. Tantas alegações cabeludas eram demais para os veneráveis senadores romanos. Repassaram o caso aos cônsules, que, não podendo terceirizar a tarefa, fizeram alguma investigação do assunto e responderam que era comprovada a antiguidade e legitimidade de asilo em um altar consagrado a Esculápio na cidade de Pérgamo. Tudo o mais era obscuro, perdendo-se na noite dos tempos:"ceteros obscuris ob vetustatem initiis niti..."
Algum leitor talvez esteja curioso quanto ao fim de tanta confusão. Fique então dito que os senadores, tendo considerado o caso, responderam de forma respeitosa, para que ninguém se ofendesse, determinando limites para que o privilégio de asilo fosse conservado, mas sem abusos.
Prudente decisão, essa do Senado romano.
(1) Ano 775 da fundação de Roma, de acordo com Tácito.
(2) Na mitologia grega, Diana era chamada Ártemis.
(3) Tácito, Annales, Livro III. Tradução de Marta Iansen exclusivamente para uso no blog História & Outras Histórias.
(4) FAIRBANKS, Arthur. Greek Gods and Heroes. Boston: Museum of Fine Arts / Houghton Mifflin Company, 1915, p. 23.
(4) FAIRBANKS, Arthur. Greek Gods and Heroes. Boston: Museum of Fine Arts / Houghton Mifflin Company, 1915, p. 23.
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