O costume colonial de benzer um engenho na primeira vez que moía cana
As oportunidades para convivência social eram, no Brasil dos tempos coloniais, bastante restritas, ao menos para a população que residia em áreas rurais e que era, então, a maioria. Quem vivia perto de uma cidade ou vila podia, pelo menos aos domingos, dar-se ao luxo de ir com a família assistir missa, vindo daí o costume de muitos fazendeiros, que dispunham de uma moradia urbana só habitada nos finais de semana, permanecendo vazia e fechada nos outros dias. Não é, portanto, sem razão, que viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil notaram que, em algumas povoações, o único morador permanente era o padre.
Nas propriedades agrícolas havia também ocasiões para festas, que incluíam as comemorações pelo batismo de um bebê (as populares "festas de batizado"), os aniversários e os casamentos, assim como os festejos juninos ou de algum santo da devoção do proprietário. Mesmo o falecimento de alguém costumava ser seguido de um banquete, já que era preciso receber com decência os parentes e conhecidos que vinham de longe para os funerais.
É fácil perceber que o elemento comum subjacente a quase todas essas celebrações era de caráter religioso. Não cabe agora discutir o quanto a sociedade era hipócrita ou o quanto um verniz de religião era útil para mascarar as enormes injustiças e desigualdades, desde o âmbito das famílias até, de forma mais ampla, a própria estrutura colonial. O fato é que assim era, e as maiores perversidades eram varridas, com pouca, muita ou nenhuma sutileza para baixo do tapete das ostensivas demonstrações de suposta fé.
Todo mundo sabe o quanto podia ser opressiva a vida em um engenho colonial de cana-de-açúcar. Não obstante, os senhores de engenho tinham por hábito, conforme relatou o padre Fernão Cardim (²), providenciar uma cerimônia religiosa sempre que era inaugurado um empreendimento açucareiro:
Engenho de cana-de-açúcar (¹) |
"Costumam eles [os senhores de engenho] a primeira vez que deitam a moer os engenhos benzê-los, e neste dia fazem grande festa convidando uns aos outros." (³)
Neste caso, como em muitos outros, sociabilidade (a "grande festa") e religião ("benzê-los") andavam de mãos dadas no Brasil Colonial.
(1) Engenho de cana-de-açúcar, imagem do Século XIX. Os engenhos do Período Colonial não eram muito diferentes desse. O original pertence ao acervo da Biblioteca Nacional. A imagem foi restaurada digitalmente e editada para facilitar a visualização.
(2) Este jesuíta acompanhou o visitador de sua Ordem em viagem pelo Brasil entre 1583 e 1590.
(3) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 67.
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E será que, ao menos nesta ocasião, os trabalhadores do engenho beneficiavam de alguma forma da festança?! Duvido.
ResponderExcluirQuerida Marta, ando meio sumida e peço desculpas por tardar tanto a retribuir as suas visitas. Estou muito grata pela sua presença, sempre tão regular e amável, lá n'O Berço.
Beijinhos
Ruthia d'O Berço do Mundo
Ora, deixe disso. Visitar seu blog é um prazer (e muita diversão, também). Quanto ao caso das festas dos engenhos, ao menos nesses dias os escravos tinham algum descanso. No entanto, é consenso entre historiadores que a rotina dos cativos nos engenhos de cana-de-açúcar era extremamente pesada, de modo que a vida útil de um escravo não ultrapassava, em média, os dez anos de trabalho.
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