Antes da existência das ferrovias, o transporte de carga no Brasil era feito por animais. Em distâncias menores ou em terrenos muito acidentados, como o Caminho do Mar, quase tudo era carregado por escravos. Rapidez, portanto, não era exatamente uma virtude desse sistema, e as quantidades transportadas também não podiam ser enormes. Além disso, a condição de chegada das mercadorias variava de forma significativa, em particular no caso de alimentos e outros artigos perecíveis. Quem podia garantir a qualidade do charque, por exemplo, depois de exposto à chuvarada de certas épocas do ano?
Tratando do transporte de mercadorias na Província do Rio de Janeiro durante o Império, o segundo barão de Paty do Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, escreveu:
"Ainda na nossa província se fazem todos os transportes às costas de bestas, e nelas se conduz milhões de arrobas de café, muito açúcar, aguardente, toda a casta de legumes que vão ao nosso mercado, galinhas, os toucinhos, carnes de porco, os belos queijos que nos vêm das províncias do interior, os seus algodões em tecido e em rama, o chá que nos principia a vir como um gigantesco ensaio, tudo, em uma palavra, vem carregado às costas destes animais, que nos trazem também o ouro das minas, os seus diamantes e pedras preciosas." (¹)
Quando são considerados todos os inconvenientes do transporte por animais, parece difícil crer que tenha demorado tanto a iniciativa da implantação de ferrovias. Faltava vontade política (³), os investimentos necessários eram, de fato, muito altos, porém o mais chocante era a conformação e mesmo a ignorância que impregnava a mentalidade dos grandes produtores rurais da época, perfeitamente convencidos de que tudo o que precisavam para garantir bons lucros era de um ótimo plantel de escravos e de animais de carga. Não soará espantoso, diante de tanta falta de visão, que chegassem a confundir uns com os outros. Não tinham a capacidade de perceber que o mundo passava por uma rápida evolução no âmbito industrial e tecnológico e que, no ritmo moroso das mulas, as exportações brasileiras, já muito comprometidas pela monocultura, acabariam perdendo o reduzido espaço de que dispunham.
Caravana de mercadores, de acordo com Rugendas (²) |
(1) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, pp. 117 e 118.
(2) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence ao acervo da Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização.
(3) No Rio de Janeiro a iniciativa privada foi decisiva, ainda que tenha se mostrado um desastre para o ousado Mauá; em São Paulo foram espantosos os debates travados em torno do assunto das ferrovias na Assembleia Provincial. A ignorância e a teimosia eram, em alguns casos, notáveis.
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