quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Esparta e Atenas

Antigamente era comum, como recurso didático nas escolas, que certas questões fossem propostas para debate durante as aulas. Como muitos alunos se destinavam à carreira das leis, a capacidade argumentativa era incentivada. Hoje proponho a vocês, leitores, uma questão desse tipo: Atenas ou Esparta, qual das duas cidades gregas da Antiguidade foi maior?
É claro que não há nenhuma resposta óbvia. Tucídides, que era ateniense e viveu no Século V a.C., logo no começo de sua monumental História da Guerra do Peloponeso chegou a conjecturar que, se em algum tempo no futuro, Esparta e Atenas fossem abandonadas, e delas não restasse nada além de ruínas, um observador que a elas chegasse teria uma visão provavelmente distorcida quanto à sua importância em pleno apogeu (¹).
Esparta, construída à moda das antigas povoações gregas contemporâneas à Guerra de Troia (segundo Tucídides!), com templos e edifícios públicos pouco suntuosos, pareceria, talvez, uma cidade inexpressiva. No entanto, ela foi extremamente poderosa, ocupou grande parte do território do Peloponeso e, se considerado o controle que exercia sobre os vizinhos, pode-se afirmar, sem temor de erro, que dominou toda a região. 
Quanto a Atenas, um visitante do futuro (repito, são ideias de Tucídides) imaginaria ter sido muito maior e mais poderosa do que de fato foi, tal a imponência de seus edifícios. Acham que Tucídides se enganou, leitores? 
Caio Salústio Crispo, em uma passagem de Catilinae coniuratio, afirmou: "As façanhas dos atenienses foram grandes, segundo avalio, verdadeiramente magníficas, mas não ao ponto que geralmente se supõe; como tiveram escritores geniais, os atenienses têm suas ações celebradas em todo o mundo (²)." Os espartanos, por seu turno, "ao contrário dos atenienses, não dedicavam toda a afeição ao cultivo das letras, somente estudavam o suficiente para que não fossem considerados ignorantes e para que tivessem capacidade de administrar os assuntos do governo civil e da guerra" (³), disse Plutarco, ao traçar a biografia de Licurgo
A que conclusão chegam vocês, leitores? À parte dos grandes edifícios, dos monumentos, das vitórias nos campos de batalha, não lhes parece que a cultura do espírito já é, por si mesma, um indício de grandeza? Quem ousaria desprezar a influência exercida, até nossos dias, pelos pensadores atenienses ou que em Atenas desenvolveram uma linha filosófica? Escrever, e escrever bem,  falar com clareza e capacidade de persuasão, não são coisas insignificantes (⁴), principalmente dentro de uma democracia. Lamento por quem pensa o contrário.

(1) Cf. TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, Livro I, § 10. 
(2) SALÚSTIO. Catilinae coniuratio. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) Para bem e para mal.


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4 comentários:

  1. Amei a postagem. A inteligência, a cultura, a arte sempre vencem a força, a violência e o destempero. Simples assim. não é? Temos que acreditar nisso, sobretudo nos tempos atuais. Parabéns e um abraço.
    Anita

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    1. Obrigada, Anita, por ler e comentar o post. Estou recebendo pontualmente os textos de seu blog por e-mail. O sistema funciona bem, e tenho apreciado a leitura.

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  2. São dois conceitos de vida totalmente diferentes, Marta. Sem filosofarmos muito, vejamos a questão de forma prática. Se o mundo fosse mais estático, sem grande evolução, os espartanos teriam toda a razão em ser como eram, pois só os mais fortes estariam aptos para enfrentar os desafios daquele tempo. Contudo, se considerarmos (e agora, nos tempos que decorrem, é muito mais fácil aceitar esta consideração) que o mundo está em constante evolução, os atenienses estavam muito à frente. Apesar das virtudes espartanas.

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    1. Para mim, o apego desmesurado às tradições, simplesmente porque são tradições, e não porque são úteis, é um grande defeito. Nem tudo o que funciona hoje servirá amanhã, e as mudanças são inevitáveis. Quem não aceita as mudanças acaba sendo arrastado por elas.

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