quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Soldados de Hernán Cortés que se tornaram monges

Os homens que seguiram Hernán Cortés na guerra que culminou com a conquista do Império Asteca eram movidos, na mais esmagadora maioria, pela ambição. Queriam ficar ricos, muito ricos, no menor tempo possível. Alguns - poucos - conseguiram. Muitos morreram por doenças, ferimentos recebidos em combate ou foram aprisionados por indígenas e sacrificados. Dentre os sobreviventes, houve alguns que tomaram um rumo quase inusitado, diante das pretensões anteriores: professaram em alguma ordem religiosa, tornando-se monges, portanto.
Seriam estes movidos pela consciência da destruição que haviam causado e, com a vida religiosa, pretenderiam, quem sabe, redimir os atos cruéis do passado? Ou foram movidos apenas pela influência de seu tempo, que concedia um valor extremo à vida religiosa, ainda que poucos fossem, de fato, estritos praticantes da regra da respectiva ordem?
Um única resposta poderia fazer injustiça a tais homens. Essas hipóteses devem ser consideradas, sem exclusão de outras, ainda. Mas quem foram eles, afinal?
De acordo com Bernal Díaz del Castillo, que também acompanhou Cortés, e que não se tornou monge, mas escreveu a Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España, estavam entre os que optaram pela vida monástica estes soldados:
"[...] outro bom soldado que se chamava Villasinda, natural de Portillo, que se tornou frade franciscano [...]."
"[...] outro soldado que tinha por sobrenome Lencero, [...], que foi bom soldado e se tornou frade mercedário; [...] Alonso Durán, que era um tanto velho e não enxergava bem, que ajudava como sacristão e se tonou frade mercedário [...]."
"[...] um soldado que se chamava Síndos de Portillo, natural de Portillo, e teve índios muito bons (¹) e esteve rico, e deixou seus índios e vendeu seus bens, repartiu-os entre os pobres e se tornou frade, e foi de santa vida; e outro bom soldado que se chamava Quintero, natural de Moguel, e teve bons índios e esteve rico, e o deu por Deus e se tornou frade franciscano e foi bom religioso; e outro soldado que se chamava Alonso de Aguilar [...], foi pessoa rica e teve bom repartimiento de índios, vendeu tudo e entregou a Deus, e se tornou frade dominicano e foi muito bom religioso [...]."
É preciso reconhecer que nem todos perseveraram na vida monástica:
"[...] outro soldado chamado Fulano Burguillos, teve bons índios e esteve rico, e deixou e se tornou frade franciscano, e este Burguillos depois saiu da Ordem; e outro bom soldado que se chamava Escalante, tinha boa aparência e era bom cavaleiro, tornou-se frade franciscano, depois saiu do monastério e voltou a triunfar, e cerca de um mês mais tarde tornou a tomar o hábito e foi bom religioso [...]."
Por outro lado, havia também quem fosse a extremos:
"[...] outro soldado que se chamava Gaspar Díaz, natural de Castilla la Vieja, e foi rico, assim por seus índios como por seus negócios, e tudo entregou a Deus e se foi aos cumes de Guaxocingo, em lugar muito isolado, fez uma ermida e nela se pôs como ermitão e foi de tão boa vida e se entregava a jejuns e disciplinas (²), que esteve muito fraco e debilitado e diziam que dormia no chão sobre palhas; disso soube o bispo dom frei Juan de Zumarraga e lhe mandou que não fizesse vida tão áspera, e teve tão boa fama de ermitão Gaspar Díaz, que se puseram em sua companhia outros ermitães, e todos fizeram boas vidas, e depois de quatro anos que ali estava Deus foi servido levá-lo à sua santa glória [...] (³)."

(1) Tinha uma encomienda, podendo, assim, explorar a força de trabalho indígena.
(2) Autoflagelação.
(3) Todos os trechos citados da Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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8 comentários:

  1. Boa tarde Marta. Não conhecia essa história. Muito obrigado pela riqueza de detalhes.

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    1. Boa tarde, Luiz. Tenho apreciado muito as fotos do seu blog. Continue a publicá-las!

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  2. Muito interessante. Poderiam ser essas conversões uma espécie de "aposentadoria"? Homens que envelheceram e por algum motivo não tinham como continuar conseguindo reservas monetárias ou mesmo trabalhar com o solo para produzir seu sustento, tomavam a decisão de se juntar a um grupo religioso que, pela forma coletiva de viver, garantiria os sustentos necessários.

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    1. Olá, Wendell, é uma possibilidade. Contudo, se levarmos em conta o espírito de época, a cultura de onde vinham, talvez devamos considerar que muitos deles achavam que tinham contas a ajustar depois da morte, e era melhor começar a penitência antes. Considere que, nesse tempo, a crença na existência de um purgatório era parte da mentalidade corrente. Veja, a título de exemplo, que Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Espanha na época da destruição do Império Asteca, terminou a vida em um mosteiro. Tal o rei, tais os súditos...

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    2. Realmente. Talvez também tenha uma mescla entre esses fatores, e ainda outros.

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    3. Você está certo: em História, dificilmente um fator isolado é capaz de explicar um determinado fenômeno em sua totalidade.

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  3. O ser humano é desassossegado por natureza.
    Interessante, no mínimo, tendo em conta a época, com mil e um suplícios, por influência religiosa, a insinuar-se na mente das pessoas à medida que a hora da morte (ajuste de contas) se aproximava.

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    1. Convenhamos: o medo do purgatório (ou de coisa ainda pior) até cumpria certa função social, pondo um limite à perfídia nas ações, ao menos para aqueles que se imaginavam no fim da caminhada terrestre, que nem era tão longa, se levarmos em conta a expectativa de vida na época.

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