terça-feira, 28 de setembro de 2021

Urbanização turbulenta nas regiões mineradoras coloniais

Onde antes nada havia além da paisagem natural, surgia, em pouquíssimo tempo, um aglomerado de moradias precárias, em ruas tortuosas e sem qualquer planejamento - assim começava, como regra, uma povoação, em qualquer lugar em que se encontrava ouro de fácil extração no Brasil Colonial. 
Quanto tempo era necessário para que, desse processo, brotasse uma cidade? Segundo o Barão de Eschwege (¹), a mineração transformou, "no curto espaço de dez a doze anos, os lugares mais inóspitos em animadas cidades" (²). A despeito disso, colocar alguma organização em tamanha desordem seria processo trabalhoso e muito mais demorado. Ainda conforme Eschwege, "[...] muitos anos, contudo, foram precisos para que tamanha aglomeração humana se sujeitasse a certa disciplina" (³).
Sem qualquer pretensão a esgotar o assunto, veremos aqui, meus leitores, alguns aspectos que faziam dessas povoações de mineradores lugares turbulentos, inquietos, até muito perigosos:
1. A rapidez do processo de urbanização significava, ao menos nos primeiros anos, muita precariedade nas condições de vida. Pode-se facilmente imaginar como eram as casas construídas por quem desejava, desesperadamente, enriquecer tão rápido quanto possível, e sem dar, portanto, muita atenção, ao menos no início, a condições mínimas de higiene e conforto.

2. A heterogeneidade da população nas minas foi outro fator de complicação. Havia os bandeirantes descobridores e sua gente, havia os que vinham de outras regiões do Brasil tão logo ouviam falar em ouro, mas havia, também, os que vinham de além-mar, crendo que a riqueza fácil compensaria todos os sacrifícios. Embora proibidos de entrar no País, estrangeiros de várias nacionalidades acabavam tendo acesso às regiões mineradoras, e mesmo frades que abandonavam a rotina da vida religiosa podiam ser encontrados entre os que procuravam ouro. Ao lado dos livres, havia, como se sabe, uma multidão de escravos, obrigados a trabalhar em condições insalubres, mas sonhando com um belo achado que poderia resultar em liberdade.

3. A população heterogênea tinha interesses conflitantes. Havia os que queriam ouro, havia os que sonhavam com a liberdade, havia, também, os que não se ocupavam na mineração, mas praticavam um comércio extorsivo de artigos indispensáveis, como alimentos, vestuário e ferramentas, gente que, muitas vezes, acabava tendo maior êxito em enriquecer que os próprios mineradores. Havia conflitos entre os descobridores das minas e os que apareciam nelas quando ouviam falar de sua existência. O conjunto de incidentes conhecido como a "guerra dos emboabas" ilustra muito bem essa rivalidade.

4. O custo de vida nas minas era muito elevado, não só pela franca exploração exercida por comerciantes, como pela dificuldade em fazer chegar até elas os alimentos de que a população carecia. Os caminhos, quando existentes, eram precários, e o transporte de carga, efetuado por tropas de animais, sendo moroso em extremo, resultava em produtos que alcançavam as povoações já em mau estado. Pouca gente pensaria em gastar tempo plantando o que quer que fosse, quando a obsessão era achar ouro. Não deve ser surpresa, portanto, que, esporadicamente, algumas povoações chegassem aos extremos da fome.
Sabará - MG, de acordo com Rugendas (⁴)

Esse cenário trazia, por consequência, uma grande dificuldade para as autoridades coloniais na imposição de algum controle social e em exigir obediência à legislação portuguesa relativa aos direitos reais que deviam ser arrecadados sem demora. Aos poucos, a urbanização e a legalidade foram tomando forma. Agrupada em irmandades religiosas, a população se empenhava na construção de templos grandiosos, que ostentassem a riqueza que se arrancava da terra, e cujas celebrações eram motivo de orgulho e competição. Mais difícil foi impor a cobrança dos reais quintos e a obrigatoriedade da entrega de todo o ouro encontrado nas casas de fundição. A repressão foi a ferramenta mais útil neste caso, conforme se verifica, por exemplo, no caso da chamada "revolta de Filipe dos Santos" em Vila Rica, no ano de 1720. O esquartejamento, fosse antes ou depois da morte, devia ser suficiente para intimidar até os mais rebeldes.

(1) 1777 - 1855.
(2) ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 51.
(3) Ibid.
(4) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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