quinta-feira, 2 de setembro de 2021

As galinhas e os loureiros da dinastia júlio-claudiana

É coisa da Roma Antiga e dos romanos, com suas crenças em prodígios e presságios. Augusto, o primeiro imperador, tinha uma propriedade agrícola de que muito gostava, e foi lá que tudo aconteceu. Lívia, que se casara com Augusto, observava uma águia voejando logo acima, quando a poderosa ave deixou cair uma galinha branca, que talvez pretendesse usar no almoço e que, por infelicidade, veio abaixo. Até aqui, nada surpreendente. Agora vem o melhor: a dita galinha não só estava viva, como ainda trazia no bico um verde ramo de loureiro (*). Esqueçam a inverossimilhança, leitores. 
Posteriormente, a galinácea sobrevivente pôs ovos e teve uma multidão de descendentes. Quanto ao ramo de loureiro, Lívia decidiu plantá-lo, e veio a ser uma árvore robusta, de onde os Césares retiravam os ramos que deviam compor as coroas de louros que ostentavam nos triunfos. Cada imperador da dinastia júlio-claudiana, ao ascender ao poder, plantava lá mais um loureiro e - prodígio imperial não se discute - logo se verificou que, pela época da morte de cada um, a respectiva árvore secava. 
Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio... Era o último ano da turbulenta vida de Nero, mas ele ainda não sabia disso. No entanto, lá na fazenda, subitamente, todos os loureiros secaram e todas as galinhas morreram. Quem quiser um relato formal desses notáveis acontecimentos deve ir ao Livro VII de De vita Caesarum, de Suetônio. Para os crédulos em presságios, algo notável (e terrível) estava para ocorrer. Era o fim de uma dinastia.
Há quem suponha que Suetônio, ao incluir essa história em sua obra, estava caçoando das crenças vigentes em Roma. Acho mais provável que, imerso na cultura de seus dias, julgasse perfeitamente razoável a crença tão arraigada em Roma de que certos eventos prediziam o futuro, embora, algumas vezes, só posteriormente é que as pessoas se dessem conta disso, numa espécie de profecia invertida. Era o modo romano de ver e explicar o mundo, tentando encontrar alguma lógica em meio a um cenário que, de outro modo, pareceria caótico.

(*) Laurus nobilis.


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