Característica presente em muitos povos indígenas do Continente Americano, a arte plumária por eles desenvolvida era (e em alguns casos, ainda é) notável. José de Alencar, em romances classificados como "indianistas", colocou em relevo o uso de penas, não só como expressão artística, mas como fator de distinção tribal. Vejamos, portanto, alguns exemplos.
Em Guarani, o herói Peri usa penas de ema na cabeça:
"Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro, à qual se prendiam do lado esquerdo duas plumas de ema matizadas, que descrevendo uma longa espiral, vinham roçar com as pontas negras o seu pescoço flexível."
Por outro lado, no mesmo Guarani, um guerreiro aimoré, que se opõe a Peri, leva um colar de penas de tucano:
"Tinha o rosto pintado de uma cor esverdeada e oleosa, e o pescoço cingido de uma coleira feita com as penas brilhantes do tucano; no meio desse aspecto horrendo os seus olhos brilhavam como dois fogos vulcânicos no seio das trevas."
Já em Ubirajara, novamente a arte plumária é descrita como fator de identificação de dois grupos indígenas, os tocantins e os araguaias:
"Do outro lado da campina assoma um guerreiro.Tem na cabeça o canitar (¹) das plumas de tucano, e no punho do tacape uma franja das mesmas penas.É um guerreiro tocantim. De longe avistou Jaguarê e reconheceu o penacho vermelho dos araguaias."
Como sabem, leitores, essas obras de Alencar pertencem ao Século XIX, escritas no intento de dar ao Brasil uma literatura que tivesse personagens verdadeiramente nacionais. No entanto, nessa época muitos povos indígenas já haviam desaparecido ou perdido elementos culturais significativos, em consequência da colonização. Sabe-se, porém, que cada povo tinha preferência por determinadas penas, que geralmente eram escolhidas entre as aves existentes na localidade em que vivia, e isso não se restringe aos indígenas do Brasil. Astecas, por exemplo, foram grandes apreciadores das penas do quetzal (verdes) e do colibri (de coloração azul-turquesa). E, se quisermos voltar ao testemunho de alguém que viveu no Brasil no Século XVI, temos as palavras de Gabriel Soares, senhor de engenho na Bahia e autor do Tratado Descritivo do Brasil em 1587, em que, ao falar dos tupinambás, observou: "[...] fazem carapuças e capas de penas de pássaros, e outras obras de pena do seu uso, e sabem dar tinta de vermelho e amarelo às penas brancas; e também contrafazem as penas dos papagaios com sangue de rãs, arrancando-lhes as verdes, e fazem-lhes nascer outras amarelas [...]." (²)
Creio, todavia, que, em se tratando de arte plumária, a melhor exemplificação só pode vir de trabalhos reais. Portanto, leitores, vejam as fotos (³) e tirem suas conclusões quanto à maestria dos povos indígenas nessas obras.
(2) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, pp. 319 e 320.
(3) Todos os objetos pertencem ao acervo do Memorial dos Povos Indígenas (Brasília - DF), que vocês não devem deixar de visitar, quando puderem.
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