terça-feira, 4 de julho de 2017

Preparativos dos indígenas quando iam à guerra

A preparação de muitos povos indígenas, quando se tratava de fazer guerra ofensiva, envolvia várias etapas.
Era necessário ter, por suposto, uma grande quantidade de armas: arcos (que os homens aprendiam a manejar desde a infância), muitas flechas, tacapes e lanças de madeira, dentre outras. 
Mas não era só. De acordo com Yves d'Évreux (¹), que afirmou ter investigado o assunto acuradamente, toda a tribo era envolvida nos aprestos, havendo muito cuidado em preparar alimentos suficientes para que nenhum guerreiro deixasse, por falta de sustento, de combater no máximo de sua capacidade:
"[...] As mulheres e suas filhas preparam a farinha de munição, e em abundância, por saberem, naturalmente, que [...] a fome é a coisa mais perigosa num exército [...]." (²)
Explicando, de passagem, que "farinha de munição" era um tipo de farinha de mandioca, já vamos constatando que, enquanto isso, os homens estavam, também, em grande atividade. É que, para muitos grupos indígenas, o deslocamento até o território inimigo era feito por mar ou por rios, sendo, portanto, indispensável a confecção de canoas grandes e resistentes - aqueles soberbos exemplares cavados no tronco de uma única árvore, que podiam levar, cada um, vinte ou trinta combatentes:
"[...] Empregam-se os homens em fazer canoas ou consertar as que já possuem próprias para esse fim, porque é necessário que sejam compridas e largas para levarem muitas pessoas, suas armas e provisões [...]." (³)

Indígenas em uma canoa (⁴)

Finalmente, era preciso cuidar de um aspecto que, para nós, talvez pareça supérfluo, mas que, entre os indígenas, era visto como essencial:
"[...] Preparam suas penas, tanto para a cabeça, braços e rins, como para as armas." (⁵)
No contexto cultural dos povos indígenas, a ornamentação de armas e homens com penas de aves podia ter vários significados, além, é claro, do aspecto puramente estético. Manter uma tradição era um dos motivos, de acordo com o padre d'Évreux:
"Quis saber por intermédio do meu intérprete por que traziam sobre os rins [...] penas de ema: responderam-me que seus pais lhes deixaram este costume para ensinar-lhes como deviam proceder na guerra, imitando a ema, pois quando ela se sente mais forte ataca atrevidamente o seu perseguidor, e quando mais fraca abre suas asas, despede o voo e arremessa com os pés areia e pedras sobre seus inimigos; assim devemos fazer, acrescentavam eles. [...]." (⁶)
Outra razão que se tem aventado para esse colorido costume de usar penas de araras, emas, papagaios e outras aves (⁷) seria de caráter ritual, à medida que qualidades e virtudes tidas como desejáveis nessas criaturas seriam, magicamente, compartilhadas pelos guerreiros, em sua condição de representantes, guardiões e herdeiros das façanhas bélicas empreendidas pelos antepassados. Juntemos a isso o orgulho pessoal de cada indígena que queria, no combate, aparecer do modo mais favorável ao realizar suas proezas, e um intenso desejo de intimidar o adversário, e já teremos, leitores, um panorama do que ocorria nas semanas de preparo que antecediam as lutas entre grupos, cuja inimizade, não raro, era cultivada desde tempos remotos.

Indígenas atacando uma aldeia (⁸)

(1) Capuchinho francês que esteve no Brasil entre 1613 e 1614.
(2) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 20.
(3) Ibid., p. 21.
(4) D'ORBIGNY, Alcide. Voyage Pittoresque dans les Deux Amériques. Paris: Furne et Cie., 1841.
(5) D'ÉVREUX, Yves. Op. cit., p. 21.
(6) Ibid., p. 22.
(7) Além de outros materiais de origem animal.
(8) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837.


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