A preparação de muitos povos indígenas, quando se tratava de fazer guerra ofensiva, envolvia várias etapas.
Era necessário ter, por suposto, uma grande quantidade de armas: arcos (que os homens aprendiam a manejar desde a infância), muitas flechas, tacapes e lanças de madeira, dentre outras.
Mas não era só. De acordo com Yves d'Évreux (¹), que afirmou ter investigado o assunto acuradamente, toda a tribo era envolvida nos aprestos, havendo muito cuidado em preparar alimentos suficientes para que nenhum guerreiro deixasse, por falta de sustento, de combater no máximo de sua capacidade:
"[...] As mulheres e suas filhas preparam a farinha de munição, e em abundância, por saberem, naturalmente, que [...] a fome é a coisa mais perigosa num exército [...]." (²)
Explicando, de passagem, que "farinha de munição" era um tipo de farinha de mandioca, já vamos constatando que, enquanto isso, os homens estavam, também, em grande atividade. É que, para muitos grupos indígenas, o deslocamento até o território inimigo era feito por mar ou por rios, sendo, portanto, indispensável a confecção de canoas grandes e resistentes - aqueles soberbos exemplares cavados no tronco de uma única árvore, que podiam levar, cada um, vinte ou trinta combatentes:
"[...] Empregam-se os homens em fazer canoas ou consertar as que já possuem próprias para esse fim, porque é necessário que sejam compridas e largas para levarem muitas pessoas, suas armas e provisões [...]." (³)
Indígenas em uma canoa (⁴) |
Finalmente, era preciso cuidar de um aspecto que, para nós, talvez pareça supérfluo, mas que, entre os indígenas, era visto como essencial:
"[...] Preparam suas penas, tanto para a cabeça, braços e rins, como para as armas." (⁵)
No contexto cultural dos povos indígenas, a ornamentação de armas e homens com penas de aves podia ter vários significados, além, é claro, do aspecto puramente estético. Manter uma tradição era um dos motivos, de acordo com o padre d'Évreux:
"Quis saber por intermédio do meu intérprete por que traziam sobre os rins [...] penas de ema: responderam-me que seus pais lhes deixaram este costume para ensinar-lhes como deviam proceder na guerra, imitando a ema, pois quando ela se sente mais forte ataca atrevidamente o seu perseguidor, e quando mais fraca abre suas asas, despede o voo e arremessa com os pés areia e pedras sobre seus inimigos; assim devemos fazer, acrescentavam eles. [...]." (⁶)
Outra razão que se tem aventado para esse colorido costume de usar penas de araras, emas, papagaios e outras aves (⁷) seria de caráter ritual, à medida que qualidades e virtudes tidas como desejáveis nessas criaturas seriam, magicamente, compartilhadas pelos guerreiros, em sua condição de representantes, guardiões e herdeiros das façanhas bélicas empreendidas pelos antepassados. Juntemos a isso o orgulho pessoal de cada indígena que queria, no combate, aparecer do modo mais favorável ao realizar suas proezas, e um intenso desejo de intimidar o adversário, e já teremos, leitores, um panorama do que ocorria nas semanas de preparo que antecediam as lutas entre grupos, cuja inimizade, não raro, era cultivada desde tempos remotos.
(1) Capuchinho francês que esteve no Brasil entre 1613 e 1614.
Indígenas atacando uma aldeia (⁸) |
(1) Capuchinho francês que esteve no Brasil entre 1613 e 1614.
(2) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 20.
(3) Ibid., p. 21.
(4) D'ORBIGNY, Alcide. Voyage Pittoresque dans les Deux Amériques. Paris: Furne et Cie., 1841.
(4) D'ORBIGNY, Alcide. Voyage Pittoresque dans les Deux Amériques. Paris: Furne et Cie., 1841.
(5) D'ÉVREUX, Yves. Op. cit., p. 21.
(6) Ibid., p. 22.
(7) Além de outros materiais de origem animal.
(8) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837.
(8) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837.
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