Walahfrid Strabo, um monge beneditino do Século IX, era tão apaixonado pelas plantas que cultivava que, em homenagem a elas, escreveu um poema (naturalmente em latim), chamado Hortulus. Por isso, sabemos que em seu jardim havia, entre outros cultivos, sálvia, arruda, abrótano, melão, absinto, marrúbio, erva-doce, íris, levístico, cerefólio, lírio, papoula, sálvia-esclareia, menta, poejo, aipo, bardana, agrimônia, erva-dos-gatos, rabanete e rosas. Ufa...
Aqueles dentre os leitores que sonham em cultivar um terreno ao estilo medieval já têm um ponto de partida. Alguns vegetais da lista de Strabo não são encontrados no Brasil, mas sua coleção tampouco dava conta de todos os cultivos usuais na Europa Medieval. Um número bem maior de espécies era conhecido, dependendo, é certo, das condições climáticas de cada região (¹).
Muitos jardins medievais seriam, para nossos padrões, um misto de horta, jardim e pomar, visto que, neles, era possível encontrar legumes, verduras, flores, ervas aromáticas e medicinais e até árvores frutíferas. Como não havia lojas onde comprar sementes e mudas, o jardineiro devia, necessariamente, tratar de conservar sementes de uma safra para outra, se quisesse plantar as mesmas espécies no ano seguinte. Viajantes que, vez ou outra, passavam pelo lugar, podiam trazer preciosas amostras de espécies ainda desconhecidas e cujo cultivo seria experimentado com prazer.
Quem quiser entender o que eram a horticultura e a jardinagem na Idade Média precisará deixar de lado muito do que se sabe dessas práticas na atualidade. As ferramentas disponíveis não eram das mais eficientes; tampouco havia a indústria química para fornecer fertilizantes, herbicidas e outros produtos - tais coisas estavam ainda muitos séculos no futuro (²). Como sempre, porém, era preciso cavar a terra, adubar, remover ervas daninhas e, algumas vezes, tomar providências para manter as aves bem longe dos canteiros.
O cultivo da terra, mesmo em pequena escala, era, porém, indispensável à vida. Afinal, de onde é que viriam as ervas para medicamentos, para alimentação, para compor os cosméticos da época, para usos relacionados à limpeza e cuidados das casas? No universo das "pessoas comuns", hortas e jardins eram cultivados, portanto, com o propósito de suprir necessidades quotidianas, mas mesmo eruditos (³) não desdenhavam os prazeres da jardinagem. Sem pôr as mãos na terra, não seria possível que um bom número deles pudesse escrever obras sobre técnicas de cultivo, como de fato o fizeram (⁴).
E quanto aos servos? A eles, como regra geral, competia a agricultura em larga escala, não como um prazer, mas como uma obrigação (⁵). Os campos em que eram cultivados cereais estavam sob sua responsabilidade. Em termos de estratificação social, esses trabalhadores eram vistos sempre como inferiores. No entanto, toda a sociedade medieval dependia deles para sobreviver.
(1) Há divergências quanto à identificação de várias espécies mencionadas em escritos medievais, mas a seguinte lista, contendo em ordem alfabética alguns cultivos mais comuns e seguramente reconhecidos, dará uma ideia aos leitores daquilo que podia ser encontrado num belo jardim, fosse em um claustro ou na propriedade de algum secular: abrótano, absinto-selvagem, acônito, agrimônia, aipo, alcaravia, alecrim, alho, anis, arruda, aspargo, avelã, azevinho, bardana, borragem, cálamo, calêndula, camomila, carvalho, cebola, cerefólio, cereja, chicória, coentro, cominho, dedaleira, dente-de-leão, doce-cecília, edelweiss, endívia, erva-doce, erva-dos-gatos, estragão, funcho, hissopo, hortelã, íris, jacinto, junípero, lavanda, levístico, lírio-do-vale, louro, maçã, malva, manjericão, manjerona, marmelo, marrúbio, melão, melissa, miosótis, mirtilo, morango-silvestre, mostarda-preta, narciso, papoula, peônia, pera, poejo, prímula, rabanete, rosa, salsa, sálvia, sálvia-esclareia, segurelha, tília, tomilho, uva, valeriana, verbasco, violeta-doce.
(2) Decidir se são boas ou más fica por conta de vocês, leitores.
(3) Membros do clero ou não.
(4) Levando em conta algumas características da mentalidade tipicamente medieval, é admissível conjecturar que a posição de honra atribuída à jardinagem tivesse fundamento religioso: "plantaverat autem Dominus Deus paradisum voluptatis a principio in quo posuit hominem quem formaverat / [..] tulit ergo Dominus Deus hominem et posuit eum in paradiso voluptatis ut operaretur et custodiret illum" (Liber Genesis II, 8, 15)
(5) Portanto, a nobre jardinagem seria uma recordação do trabalho que mantinha o homem ocupado antes do funesto bate-papo com a serpente; o trabalho dos servos em cultivar os campos corresponderia à maldição que acompanhara a expulsão do Paraíso: "maledicta terra in opere tuo in laboribus comedes eam cunctis diebus vitae tuae" (Liber Genesis III, 17)
(6) Imagem publicada em edição do Século XVI para uma obra de Pietro de' Crescenzi, autor medieval (Séculos XIII e XIV). A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Aqueles dentre os leitores que sonham em cultivar um terreno ao estilo medieval já têm um ponto de partida. Alguns vegetais da lista de Strabo não são encontrados no Brasil, mas sua coleção tampouco dava conta de todos os cultivos usuais na Europa Medieval. Um número bem maior de espécies era conhecido, dependendo, é certo, das condições climáticas de cada região (¹).
Muitos jardins medievais seriam, para nossos padrões, um misto de horta, jardim e pomar, visto que, neles, era possível encontrar legumes, verduras, flores, ervas aromáticas e medicinais e até árvores frutíferas. Como não havia lojas onde comprar sementes e mudas, o jardineiro devia, necessariamente, tratar de conservar sementes de uma safra para outra, se quisesse plantar as mesmas espécies no ano seguinte. Viajantes que, vez ou outra, passavam pelo lugar, podiam trazer preciosas amostras de espécies ainda desconhecidas e cujo cultivo seria experimentado com prazer.
Quem quiser entender o que eram a horticultura e a jardinagem na Idade Média precisará deixar de lado muito do que se sabe dessas práticas na atualidade. As ferramentas disponíveis não eram das mais eficientes; tampouco havia a indústria química para fornecer fertilizantes, herbicidas e outros produtos - tais coisas estavam ainda muitos séculos no futuro (²). Como sempre, porém, era preciso cavar a terra, adubar, remover ervas daninhas e, algumas vezes, tomar providências para manter as aves bem longe dos canteiros.
O cultivo da terra, mesmo em pequena escala, era, porém, indispensável à vida. Afinal, de onde é que viriam as ervas para medicamentos, para alimentação, para compor os cosméticos da época, para usos relacionados à limpeza e cuidados das casas? No universo das "pessoas comuns", hortas e jardins eram cultivados, portanto, com o propósito de suprir necessidades quotidianas, mas mesmo eruditos (³) não desdenhavam os prazeres da jardinagem. Sem pôr as mãos na terra, não seria possível que um bom número deles pudesse escrever obras sobre técnicas de cultivo, como de fato o fizeram (⁴).
E quanto aos servos? A eles, como regra geral, competia a agricultura em larga escala, não como um prazer, mas como uma obrigação (⁵). Os campos em que eram cultivados cereais estavam sob sua responsabilidade. Em termos de estratificação social, esses trabalhadores eram vistos sempre como inferiores. No entanto, toda a sociedade medieval dependia deles para sobreviver.
Trabalhando em um jardim (⁶) |
(1) Há divergências quanto à identificação de várias espécies mencionadas em escritos medievais, mas a seguinte lista, contendo em ordem alfabética alguns cultivos mais comuns e seguramente reconhecidos, dará uma ideia aos leitores daquilo que podia ser encontrado num belo jardim, fosse em um claustro ou na propriedade de algum secular: abrótano, absinto-selvagem, acônito, agrimônia, aipo, alcaravia, alecrim, alho, anis, arruda, aspargo, avelã, azevinho, bardana, borragem, cálamo, calêndula, camomila, carvalho, cebola, cerefólio, cereja, chicória, coentro, cominho, dedaleira, dente-de-leão, doce-cecília, edelweiss, endívia, erva-doce, erva-dos-gatos, estragão, funcho, hissopo, hortelã, íris, jacinto, junípero, lavanda, levístico, lírio-do-vale, louro, maçã, malva, manjericão, manjerona, marmelo, marrúbio, melão, melissa, miosótis, mirtilo, morango-silvestre, mostarda-preta, narciso, papoula, peônia, pera, poejo, prímula, rabanete, rosa, salsa, sálvia, sálvia-esclareia, segurelha, tília, tomilho, uva, valeriana, verbasco, violeta-doce.
(2) Decidir se são boas ou más fica por conta de vocês, leitores.
(3) Membros do clero ou não.
(4) Levando em conta algumas características da mentalidade tipicamente medieval, é admissível conjecturar que a posição de honra atribuída à jardinagem tivesse fundamento religioso: "plantaverat autem Dominus Deus paradisum voluptatis a principio in quo posuit hominem quem formaverat / [..] tulit ergo Dominus Deus hominem et posuit eum in paradiso voluptatis ut operaretur et custodiret illum" (Liber Genesis II, 8, 15)
(5) Portanto, a nobre jardinagem seria uma recordação do trabalho que mantinha o homem ocupado antes do funesto bate-papo com a serpente; o trabalho dos servos em cultivar os campos corresponderia à maldição que acompanhara a expulsão do Paraíso: "maledicta terra in opere tuo in laboribus comedes eam cunctis diebus vitae tuae" (Liber Genesis III, 17)
(6) Imagem publicada em edição do Século XVI para uma obra de Pietro de' Crescenzi, autor medieval (Séculos XIII e XIV). A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
Os campos podiam ser lindos, mas quem fazia o trabalho sujo eram os servos. Com toda a naturalidade para a época, diga-se, na linha de "A República", de Platão.
ResponderExcluirUma boa semana, Marta :)
Mudou muito em nosso tempo?
ExcluirTenha uma ótima semana.
Uma lista invejável, muitas delas não faço ideia do que sejam. Provavelmente serão ervas medicinais?! Nos mosteiros, em particular, deveria haver esse tipo de plantas já que havia sempre um monge com dotes de curandeiro.
ResponderExcluirBeijinho Marta
Sim, algumas eram consideradas medicinais; outras eram de uso culinário, havendo também as que eram cultivadas "apenas" como decorativas (o que não é pouco).
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