sexta-feira, 21 de junho de 2024

Beribéri

Em consequência da péssima alimentação, muitos soldados brasileiros que lutaram na Guerra do Paraguai foram acometidos por beribéri, doença de carência da vitamina B1


Durante os anos 1864 a 1870 ocorreu aquela que, no Brasil, é conhecida como "Guerra do Paraguai", ocasião em que, mais que enfrentar e expulsar os invasores de seu território, coube ao Brasil a tarefa de lutar contra as próprias deficiências.
Os transportes terrestres eram ainda muito precários, assim como as comunicações, principalmente no interior do país. Na prática, uma evidência de que o Brasil era, em grande parte, desconhecido de seus habitantes, e mesmo de seus governantes. Em consequência, o deslocamento de tropas e a entrega de suprimentos a elas destinados, sem a necessária celeridade, tornavam o planejamento da guerra, já bastante criticado, ainda mais difícil. Na marcha pela Província de Mato Grosso, por exemplo, verificou-se quanto eram falhos os mapas disponíveis. Sem alimentação adequada, os militares, indígenas carregadores, tropeiros e mesmo mulheres e crianças que os acompanhavam, viram-se em extremos de fome e doença. Não deve causar surpresa, portanto, que, para escapar ao recrutamento, a população adotasse expedientes curiosos, até cômicos. Poucos, dentre os "voluntários da Pátria", eram, de fato, voluntários. A maioria fora recrutada à força.
Nas memórias de Alfredo de Escragnolle Taunay, que participou da guerra como jovem oficial do Exército brasileiro, encontramos esta descrição das provações enfrentadas pela coluna que, percorrendo o centro-oeste do país, passava fome à espera de suprimentos que nunca os alcançavam:
"A penúria de víveres era tal e a tão desesperado estado se chegara, que a alimentação geral era quase exclusiva de frutos do mato, sobretudo jatobás, cuja abundância tomava visos de providencial. E as autoridades mandavam fazer pelos soldados colheitas enormes de sacos, que depois eram distribuídas como se fossem rações determinadas pela lei!... O que sofreu a mísera coluna, embora acostumada à miséria, pela estada no Coxim, ultrapassa quaisquer limites." (¹)
Como consequência de tal "dieta", a soldadesca foi acometida de uma doença de carência conhecida como beribéri, resultado da falta de vitamina B1 (²). Continua o relato de Taunay:
"Que enfermidade era, afinal, essa? Nada mais nada menos do que o "beribéri", de que ainda não se tinha até então falado em todo o Brasil, e que se tornou tão conhecido, sem perder, contudo, por isso, o caráter de gravidade, que o distingue." (³)
Surpreendente é que se esperasse que, assim doentes, soldados e oficiais estivessem prontos para o combate: 
"[...] Como não apanhar "beribéri" em tais condições? Fora até fisiologicamente absurdo" (⁴). 
De longe, no Rio de Janeiro, capital do Império, aguardavam-se notícias da guerra, e os jornais, avidamente, esperavam por cartas dos combatentes, que destacassem atos de heroísmo espetaculares, muito úteis quando se pretendia uma explosão de sentimentos patrióticos. O dia a dia do conflito exigia, porém, outro tipo de coragem, capaz de perseverar em meio às maiores adversidades, mas não muito interessante se a ideia fosse vender jornais ou despertar a animosidade popular.

(1) TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. Dias de Guerra e de Sertão. São Paulo: Melhoramentos, 1927, p. 89. 
(2) Tiamina.
(3) TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. Op. cit., p. 90.
(4) Ibid., p. 97. 


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