terça-feira, 15 de outubro de 2019

Os muros da Babilônia

"A Terra compõe-se de reinos, os reinos compõem-se de cidades, as cidades compõem-se de casas e campos, e principalmente de homens, e tudo isto, que tudo é terra (e toda a Terra) perpetuamente está passando. Daniel revelando a Nabucodonosor a inteligência da sua estátua, disse que Deus muda os tempos, e as idades, e conforme elas passa os reinos de uma parte para outra: Ipse mutat tempora, et aetates: transfert regna, atque constituit. Assim passou o reino do mesmo Nabuco para a Pérsia, o dos persas para a Grécia, o dos gregos para Roma, e dos romanos para tantos outros, quantos hoje coroam outras cabeças, as quais se devem lembrar daquela infalível sentença: Regnum a gente in gentem transfertur propter injustitias."
Padre Antônio Vieira, Sermão da Primeira Dominga do Advento, 1655

Os antigos habitantes da Babilônia eram apaixonados por tudo quanto fosse monumental. Seus templos, palácios, mesmo a muralha que cercava a capital de seu império, tudo parecia construído para a habitação de gigantes. Embora a megalomania não fosse escassa entre povos da Antiguidade (¹), é preciso reconhecer que monarcas babilônios tinham predileção por ela.
Muitas cidades antigas tinham muralhas (²), e o material mais geralmente empregado em sua edificação eram as pedras, sempre que elas estivessem disponíveis. Em Babilônia, porém, as muralhas foram construídas com uma espécie de tijolos. Se pudermos dar crédito ao que disse Heródoto no Livro Primeiro de suas Histórias (³), os tijolos (⁴), uma vez modelados, eram postos em fornos, para que, devidamente queimados, tivessem maior resistência. Para ligar os tijolos entre si, à medida que eram empilhados para formar a muralha, os mesopotâmios empregaram o que o mesmo Heródoto descreveu como betume quente. 
Ninguém deve imaginar que, por não ser feita de pedra, a muralha da Babilônia fosse pouco resistente. Não era de modo algum uma edificação frágil, que viesse abaixo ao soprar do primeiro vento. Ainda de acordo com Heródoto, a muralha era larga o suficiente para que, sobre ela, um carro de guerra ou uma carroça com seus animais de tração pudessem transitar sem qualquer dificuldade. Além disso, à semelhança de outras cidades importantes da Antiguidade, Babilônia era dotada de uma muralha composta (⁵), ou seja, havia mais de um muro para protegê-la, dificultando o ataque de inimigos que intentassem o cerco. Era, portanto, improvável que fosse derrotada pelos métodos convencionais de sítio. Por essa razão, Ciro, o persa, e seus comandados, precisaram desenvolver uma estratégia, tão brilhante quanto trabalhosa, para conquistar a cidade, que foi tomada em 539 a.C.

(1) Considerem-se, como exemplo, as construções do Egito Antigo.
(2) Para proteção em caso de guerra.
(3) Algumas afirmações de Heródoto podem ser reputadas como lendárias. Neste caso, porém, temos as descobertas arqueológicas para confirmação de que seu relato, ainda que muito simples, foi, em essência, verdadeiro.
(4) De acordo com Austen Henry Layard (Nineveh and Babylon / London: John Murray, 1882, p. 288), os babilônios chegaram ao requinte de empregar tijolos coloridos, predominando o azul, o vermelho, o amarelo, o branco e o preto. Pode-se imaginar a impressão que isso fazia, em meio à paisagem da Mesopotâmia.
(5) Plínio, o Velho, que viveu no Século I d.C., referiu-se à magnífica muralha de Babilônia em Naturalis historia, Livro VI, dizendo que, em seus dias, quase nada mais restava da antiga cidade.



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