quinta-feira, 24 de outubro de 2019

A rotina dos tropeiros no final de cada dia de viagem

Ao viajar por lugares distantes no interior do Brasil, tropeiros nem sempre encontravam um rancho em que passar a noite, e, por isso, era necessário acampar.  Mas, com rancho ou sem ele, havia sempre muito trabalho a fazer, antes que homens e animais pudessem dormir. Cada tropeiro tinha uma atribuição, que deveria desempenhar prontamente, a bem de todo o grupo, conforme explicação de Joaquim Ferreira Moutinho, português que, tendo vivido por dezoito anos em Cuiabá no Século XIX, decidiu voltar ao país de origem, e, em viagem a São Paulo, teve ocasião de conviver com tropeiros, cuja rotina observou e descreveu.

Providências imediatas ao chegar ao local de pouso:
" Logo que se chega ao pouso, descarrega-se a tropa, e os camaradas, depois de arranjarem as cargas de cada lote e de cobri-las com ligais, vão armar a tolda do patrão e a competente rede, ao lado da qual deitam as canastras e outros objetos indispensáveis aos viajantes." (¹)

A tropa era acomodada onde podia passar a noite:
"[...] Levam a tropa ao encosto, que é [...] um lugar naturalmente fechado por matas, rios ou brejos, para que a tropa não se espalhe durante a noite." (²)

Ocupações do arreador:
"O arreador fica no lugar do pouso ocupado em atalhar as cangalhas, curar os animais doentes e ferrar os estropiados. [...]" (³)

O cozinheiro preparava o jantar:
"[...] o cozinheiro [...] prepara os arranjos necessários à sua arte, acende o fogo, deita sobre ele uma trempe feita de paus, e nela pendura o caldeirão contendo o feijão e a carne seca, alimentos quase sempre usados pelos viajantes do sertão (⁴). Ordinariamente à noite estende no chão um couro de boi e sobre ele uma toalha na qual coloca os pratos de estanho. Depois com voz de trovão brada: feijão! A este grito acodem todos, e tanto o patrão como os camaradas e arreador fazem honroso ataque a tão saborosas iguarias." (⁵)

Na manhã seguinte, era preciso acordar cedo e preparar os animais e a carga para a partida:
"No dia seguinte os camaradas vão buscar os animais, e os prendem pelos cabrestos às estacas, para depois lhes deitar as cangalhas e os costais de cargas, que cobrem com os ligais, e arrocham com sobrecargas (⁶). Solta-se então a tropa, em cuja frente marcha uma besta escolhida que leva a cabeçada enfeitada de cincerros, e de um penacho ou boneca, com um peitoral de guizos." (⁷)
Isto feito, ia a tropa pelas terríveis estradas da época, até fazer pouso, quilômetros adiante, à hora em que a tarde chegava.

(1) MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Itinerário da Viagem de Cuyabá a São Paulo. São Paulo: Typographia de Henrique Schroeder, 1869, p. 12.
(2) Ibid.
(3) Ibid.
(4) Esses alimentos não eram apenas questão de preferência, e sim dentre aqueles que podiam ser mais facilmente conservados em viagem.
(5) MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Op. cit., p. 12.
(6) Pobres animais!
(7) MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Op. cit., pp. 12 e 13.


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