sexta-feira, 27 de maio de 2016

As minas de Afonso Sardinha


Um dos lugares, no interior de São Paulo, em que Afonso Sardinha
conduziu a busca por jazidas (³)

É pouco provável que Afonso Sardinha seja nomeado em aulas de História nas escolas de nível fundamental e médio. A maior parte dos leitores, acredito, sequer terá ouvido falar nesse sujeito, mas foi ele, em  fins do Século XVI, que começou a dar forma ao sonho de achar ouro em terras do Brasil. Era, ao que parece, um explorador incansável, e para efetuar descobrimentos teve que percorrer uma parte significativa do território do atual Estado de São Paulo. Embora procurasse metais preciosos, reconhecia a importância, e mesmo a necessidade, de trabalhar ferro para objetos de que os colonos precisavam desesperadamente, porque as magras remessas que anualmente vinham do Reino eram caras e insuficientes, e nesse sentido, seria o primeiro a fazer experiências em uma região na qual muitas outras, em grande parte malogradas, viriam a acontecer em séculos posteriores.
Pedro Taques, na Nobiliarchia Paulistana, dá mais detalhes desse indivíduo notável mas pouco lembrado, descrevendo-o como "o afamado paulista Afonso Sardinha, primeiro descobridor das minas de ouro em todo o Estado do Brasil em São Paulo nas serras de Iaguamimbaba, que agora se chama Mantaguyra, na de Jaraguá, termo de São Paulo, na de Vuturuna, termo da vila de Paranhiba e na de Hybiraçoyaba (¹), termo de Sorocaba." É possível que na pequena São Paulo do Século XVIII Afonso Sardinha fosse ainda lembrado, em vista da menção dele feita por Taques como "afamado paulista". O tempo, porém, lançou o homem em quase absoluto esquecimento.
Engana-se, todavia, quem imagina que suas descobertas de minas foram feitas com alguma ajuda de custo por parte da Coroa, que era, certamente, grande interessada no assunto. Nem Afonso Sardinha e nem os paulistas que vieram depois dele recebiam qualquer adiantamento para a ida ao sertão à procura de jazidas auríferas. As primeiras minas encontradas não eram, de fato, muito promissoras, ainda que apresentassem algum rendimento. 
Sardinha, explorador e minerador, foi também um caçador de índios, o que se infere por testamentos da época, nos quais se mencionavam pessoas que tinham índios "administrados", trazidos a São Paulo em uma expedição feita por ele. Por algum tempo exerceu cargo público, segundo aparece também na Nobiliarchia:
"Afonso Sardinha [...] fez muitos serviços à sua custa à real coroa, não só com os descobrimentos de minas de ouro já no ano de 1590, mas também quando foi capitão da gente de São Paulo para a reger e governar, de que teve patente datada em 20 de abril de 1592 por Jorge Corrêa, moço da câmara, capitão-mor governador e ouvidor da Capitania de São Vicente e São Paulo em qual se vê os muitos e grandes serviços que havia feito a Sua Majestade [...]. Este Afonso Sardinha fez fabricar dois engenhos de ferro, em que se fundia excelente ferro e com muita abundância, dos quais ainda no presente tempo existe no serro de Hybiraçoiaba uma muito grande bigorna, que a todos acusa e recorda a certeza daquela fábrica [...]."

Muro de pedra que talvez servisse para bloquear a passagem da água em uma
área explorada por Afonso Sardinha (³)

Pedro Taques recorda, então, que Afonso Sardinha, descobridor de minas, jamais foi devidamente recompensado por El-Rei:
"Afonso Sardinha contentou-se só com a glória do real serviço, fazendo os descobrimentos dos três metais, ouro prata e ferro, tudo à sua custa. Até os engenhos para se fundir ferro entregou a Sua Majestade."
Consta que, em testamento, Afonso Sardinha deixou à sua mulher todos os bens que tinha, com o desejo expresso de que, após a morte dela, fossem passados para as mãos dos jesuítas (²). Para os padrões da Capitania de São Vicente de seu tempo, ele não era um homem pobre, mas não se pode dizer que sua vida de trabalhos tenha sido largamente recompensada. Pode ter sido o primeiro, mas não foi o único descobridor de minas que jamais recebeu premiação à altura de suas realizações - pouco depois da Independência, o Brigadeiro Cunha Matos, em suas andanças nas proximidades de Corumbá de Goiás, encontrou descendentes de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, vivendo na maior pobreza.

Local provavelmente explorado por Afonso Sardinha em fins do Século XVI (³)

(1) Os leitores não devem estranhar a grafia dos topônimos, em especial se forem de origem indígena. Um mesmo autor escrevia, ora de um jeito, ora de outro (até Pedro Taques fazia isso), porque não havia uma norma estrita a esse respeito.
(2) Legar bens a uma Ordem religiosa era, nesse tempo, uma fato comum: esperava-se que os religiosos beneficiados retribuíssem com missas que, segundo suas crenças, ajudariam a libertar a alma do generoso doador das penas do purgatório.
(3) Considera-se que esse lugar foi um dos muitos explorados por Afonso Sardinha em fins do Século XVI, quando procurava metais preciosos e ferro. Está localizado dentro da área da Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó - SP. Em relação às experiências para fundir ferro, é difícil determinar o quanto eram bem-sucedidas. Pedro Taques era, às vezes, um pouco exagerado ao relatar as virtudes e sucessos dos paulistas.


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4 comentários:

  1. Se percebi bem, ele caçava índios para os levar à força para trabalharem nas metrópoles? Ainda que fosse tido como normal na época, retira toda e qualquer simpatia que a personagem pudesse suscitar, graças ao seu espírito explorador.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Sim, era "normal" na época tirar índios do sertão, a pretexto de que, escravizados, seriam "trazidos ao grêmio da Igreja". Valia o mesmo quanto a trazer escravizados da África.
      É fato que devemos compreender os acontecimentos à luz de seu contexto, mas, em qualquer tempo e em qualquer lugar, a escravidão é má em si mesma, seja na Grécia e Roma Antigas ou na Capitania de São Vicente em que vivia Afonso Sardinha.

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  2. Esses fatos são ocultos do público leitor e das aulas de História nos cursos básicos porque revelam o caráter destruidor da chamada 'civilizaçao'. As Américas, assim como toda a África, foram e ainda são, humana e materialmente, vistas como fonte de exploração e enriquecimento para a rica Europa, sob as bençãos das religiões dos exploradores. Essa história precisa ser recontada na ótica dos sobreviventes. Mas muito vai ser preciso fazer, pois a história contada até agora não e do Brasil, mas dos europeus exploradores.

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    1. Unknown, as pesquisas históricas continuam e, com isso, gradualmente, o conhecimento se amplia. Novas facetas dos acontecimentos são descobertas e exploradas, permitindo uma visão mais ampla do passado.
      Obrigada por sua vista ao blog e pelo comentário. Apareça outras vezes!

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