terça-feira, 30 de outubro de 2018

Fundição e forja de ferro no interior do Brasil no Século XIX

Oficina de ferreiro (Museu Histórico e
Geográfico de Monte Sião - MG)
"É verdadeiramente vergonhoso", afirmou Saint-Hilaire (¹), "que num país onde este metal é tão abundante, proceda ainda do estrangeiro grande parte do que consome" (²). De que metal falava? Do ferro. 
Já tratei aqui neste blog de um empreendimento ambicioso, a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, da qual se esperava a produção de artefatos de ferro em larga escala. Seria injusto dizer que ela foi um fracasso absoluto; na mesma proporção seria inadequado sugerir que foi um sucesso retumbante. Assim, persistia a dependência de importações, geralmente de procedência britânica. 
Enquanto isso, em uma localidade remota no interior do Brasil, sem qualquer subvenção do Estado, trabalhava-se o ferro, ainda que em proporções reduzidas, para atender apenas à demanda local. O relato, pouco posterior à Independência, foi feito por Cunha Matos, ao visitar o arraial conhecido como Minas de Carlos Marinho, distrito de São Félix, pertencente, na época, à Província de Goiás:  "É muito abundante em excelente ferro, que vários pobríssimos fundidores reduzem a pequenas barras, que se vendem a 300 réis a libra." (³)
Décadas mais tarde (⁴), Richard F. Burton visitou a mina de Gongo Soco (⁵) e verificou que lá também se trabalhava em ferro, por um processo antiquado, apenas para atender às necessidades da extração de ouro na mesma localidade: "Aqui, a forja é um grosseiro banco de alvenaria, tendo 3,5 metros aproximadamente de comprimento por 3 metros de altura, com duas ou três bacias em forma de funil, de 30 cm de diâmetro, e abertas no fundo, adiante e atrás. [...]. O minério é quebrado em pedaços do tamanho aproximado de uma noz, sem prévio aquecimento ou joeiramento, e misturado na proporção de um terço para dois terços de carvão vegetal, mal medidos, por meio de um cesto; a mistura é colocada nas bacias do forno, que são previamente aquecidas e, de vez em quando, é ajuntado carvão vegetal. [...]. O negro (⁶) encarregado do fogo atiça-o alto com uma haste e sabe que o processo de fundição está terminado quando a espessa fumaça e a chama azul se transformam em uma labareda muito clara." (⁷)
A rabugice que transparece nos escritos de Burton poderia levar à conclusão de que exagerava nas deficiências do sistema observado em Gongo Soco. Não neste caso, porém. O processo adotado era rudimentar. De alta qualidade, somente o minério encontrado na área.

(1) Naturalista francês (1779 - 1853). Esteve no Brasil entre 1816 e 1822.
(2) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 115.
(3) MATOS, Raimundo José da Cunha. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão Pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás Tomo II. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional, 1836, p. 142.
(4) Em 1867.
(5) Em Barão de Cocais - MG.
(6) Burton queria dizer que o trabalho era feito por um escravo. As ideias racistas desse autor são bastante conhecidas e dispensam comentários. 
(7) BURTON, Richard Francis. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília: Ed. Senado Federal, 2001, p.. 371.

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