Quem teria inventado a primeira embarcação a vapor? A resposta dependerá, talvez, de pruridos nacionalistas, mas há certo consenso de que Robert Fulton, norte-americano que não inventou nenhum barco a vapor, foi quem venceu a resistência dos medrosos ou incrédulos, e tratou de colocar a invenção em uso prático ao implantar, no começo do Século XIX, uma linha que fazia a ligação entre Nova York e Albany. A despeito de todos os prognósticos de fracasso, o barco de Fulton funcionou.
O barco de Fulton, conhecido como "Clermont", ao partir para a primeira viagem (¹) |
Aviso da partida de embarcações a vapor no ano de 1852 (³) |
No Brasil, ainda que embarcações estrangeiras a vapor tenham chegado aos portos antes disso, a navegação nacional a vapor parece ter começado em 1836, de acordo com Adolpho Augusto Pinto, em sua História da Viação Pública de São Paulo:
"A Companhia de Nictheroy, vencendo os embaraços que comumente se oferecem a qualquer empreendimento novo, conseguiu estabelecer e tinha funcionando, em 1836, um serviço mais ou menos regular de navegação a vapor, não só dentro da baía do Rio de Janeiro, como nas seções do Norte e Sul da Província.
Tal foi a primeira empresa de navegação a vapor que se fundou no Brasil." (²)
O mesmo autor refere ainda alguns fatos interessantes a respeito do início da navegação a vapor em águas brasileiras::
- A citada Companhia de Nictheroy dispunha de duas pequenas embarcações, cujos nomes eram Paquete do Norte e Especuladora;
- É provável que uma dessas duas embarcações tenha sido a primeira movida a vapor que fez entrada no porto de Santos, na então Província de São Paulo;
- Embora fosse de bandeira inglesa, e não brasileira, a fragata Warspite, que conduziu D. Pedro I em seu retorno à Europa em 1831, era já movida a vapor;
- Em contrato estabelecido em 1837, a Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor obteve o direito de prestar serviços de navegação ao longo de todo o litoral brasileiro;
- A primeira linha regular de navegação entre o Brasil e a Europa foi estabelecida mediante acordo celebrado pelo Império com o governo da França em fins de 1843.
Sim, leitores, são curiosidades, mas curiosidades que mostram o ritmo da modernização no Brasil do Século XIX.
Será útil recordar, finalmente, que as embarcações a vapor que circulavam em águas do Brasil usavam, a princípio, carvão importado da Inglaterra, e nem é preciso dizer o quanto esse fato era responsável pelo custo dos serviços prestados. Mais tarde, porém, foram feitos experimentos para uso de madeira em lugar de carvão, não só para embarcações, mas também para atendimento às locomotivas, de modo que, após algumas adaptações, a modificação veio a ser viável e amplamente adotada em algumas áreas, como foi o caso da bacia amazônica.
Embarcações a vapor, com velas e mistas em Belém do Pará, Século XIX (⁴) |
(1) KNOX, Thomas W. The Life of Robert Fulton. New York: The Knickerbocker Press, 1900, p. 105.
(2) PINTO, Adolpho Augusto. História da Viação Pública de São Paulo. São Paulo: Typographia e Papelaria de Vanorden & Cia., 1903, p. 284.
(3) AURORA PAULISTANA, 24 de abril de 1852.
(4) ______________ Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure, 1889. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
(4) ______________ Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure, 1889. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
E, menos de 200 anos depois, vamos da Europa até ao Brasil em apenas 8-9 horas. Dois séculos parece muito tempo mas, se considerarmos o curso da história, foi um instantinho. E estamos todos mais perto uns dos outros.
ResponderExcluirAbraço Marta, uma boa semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
Em um sentido absoluto, duzentos anos não significam quase nada em termos de história; entretanto, se pensarmos na brutal sequência de revoluções tecnológicas desses dois séculos, já temos um tempo enorme. Ou seja, o que conta é a velocidade da mudança.
ExcluirPor outro lado, é verdade que os meios de transporte e de comunicações em alta velocidade têm um enorme potencial para aproximar, mas parece que está ocorrendo exatamente o contrário... Quem entende os humanos? :-)))
Registos que ficam para a História. Bem interessantes, diga-se, embora nem tudo corresse, na época, a vapor. ;)
ResponderExcluirDe fato, nem tudo ia a vapor: em se tratando do Brasil, muito do transporte terrestre era feito por tropas de mulas, embora as primeiras ferrovias já estivem em construção na segunda metade do Século XIX.
ExcluirOi Marta, ando pesquisando essa questão da navegação a vapor no Brasil. Até agora o mais antigo registro sobre navio a vapor no Brasil é o da barca Liberal construída na cidade de Pelotas, quando essa ainda se chamava São Francisco, em 1832. O Liberal fazia o percurso do São Gonçalo a Rio Grande entre os anos de 1832 e 1836. A criação desta embarcação foi um empreendimentos dos ativistas liberais Antônio José Gonçalves Chaves Domingos José de Almeida e José Vieira Viana, Bernardino José Marques Canarim. Como eles aderiram a Revolução Farroupilha seu barco foi confiscado pelo governo imperial em 1836 e rebatizado. abraços Giovanni Mesquita
ResponderExcluirOlá, Giovanni, isso é muito interessante!
ExcluirNote que a Companhia de Nictheroy é citada por A. A. Pinto como a primeira a operar no Rio de Janeiro, que era, então, a capital do Império do Brasil, e talvez tenha sido a primeira a fazer viagens entre províncias litorâneas. Já operava regularmente em 1836, mas não consegui localizar nenhum documento que mostrasse seu funcionamento antes dessa data (se algum dia eu encontrar, pode ter certeza de que farei menção a ele aqui no blog). Foi seguida pela Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor, de 1837, um empreendimento de maiores dimensões.
Ao que parece, a empresa que fazia a navegação na Lagoa dos Patos com a barca "Liberal", citada por você, pode ter sido mesmo a primeira (1832) no Brasil, ainda que o mecanismo a vapor da dita embarcação tenha sido importado (veio dos Estados Unidos). As empresas que Adolpho Pinto citou dispunham, porém, de mais de uma embarcação, e era usual importar maquinário do exterior. Havia, também, embarcações mistas em operação. Talvez questões políticas (da época e/ou posteriores) expliquem, em parte, as poucas menções a esse empreendimento no sul do Brasil.
Obrigada por participar com seu comentário. Apareça por aqui mais vezes!
Encontrei referência a um barco a vapor que, em 1834, fazia a ligação diária entre São Francisco de Paula e Rio Grande (informação dada pelo francês Arsène Isabelle, que esteve na região na época citada). Também este seria anterior a 1836, portanto.
ExcluirContudo, é preciso notar que Adolpho Pinto, no texto citado na postagem, faz referência a uma companhia de navegação (muito modesta, é fato), legalmente constituída, e não a empreendimentos isolados de navegação a vapor, que, pelo que parece, já existiam mesmo antes dela.
Fato curioso, que a barca a vapor Liberal, citada aqui, quando capturada pelas tropas imperiais foi armada e utilizada contra o exército farroupilha (que a construiu), sendo algoz de seu criador, foi utilizada na batalha do São Gonçalo, travada entre as tropas farroupilhas, do lado de Pelotas e as tropas imperiais, que utilizavam a cidade vizinha (Rio Grande) como porto para embarque do charque Uruguaio, que passava por lá. Na ocasião desta batalha, a barca Liberal, juntamente com 2 outras barcas, ficaram de prontidão no canal São Gonçalo e devido a um sentinela Farroupilha, que ficou de prontidão na margem Pelotense do canal, foram atacadas com êxito, tendo uma das barcas sofrido avarias e tendo uma das 6 bocas de fogo (canhão) derrubada na água, por onde permaneceu durante quase 1 século. Só em 1947 foi resgatada do fundo do canal e posteriormente doada ao município de Pelotas, onde hoje jaz na praça da rua Bento Gonçalves. Também na cidade de Pelotas há um monumento ao sentinela Farroupilha, estátua de Antonio Caringi,a qual segue olhando na direção onde o sentinela original vigiou planejando a emboscada.
ExcluirBoa tarde, André, suas informações me interessaram vivamente. Quando as condições sanitárias tornarem as viagens mais seguras, farei o possível para visitar Pelotas (que ainda não conheço), para ver tudo isso de que você falou (no momento estou a milhares de quilômetros de distância).
ExcluirObrigada por contar essa história incrível. Apareça sempre por aqui, ok?