quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Um episódio pouco ecológico na guerra entre romanos e gauleses

Foi ao final de um verão, no tempo das guerras entre romanos e gauleses. O próprio Júlio César (¹) descreveu os acontecimentos em De Bello Gallico e, embora tenhamos o direito de suspeitar de algum favorecimento à presteza e valentia de seus soldados, sabemos que, em linhas gerais, sua narrativa corresponde aos fatos. 
Depois que as forças de Roma tinham derrotado a maioria dos gauleses, havia ainda uns poucos grupos que teimavam na resistência (²). Tendo observado que o confronto aberto contra os romanos sempre redundava em fracasso, decidiram buscar abrigo dentro dos espessos e nevoentos bosques das Gálias. César julgou que a vitória viria facilmente, mas estava enganado, e cometeu o equívoco de mandar que seus homens construíssem fortificações junto aos bosques. Vejam, leitores, que mesmo um hábil comandante também errava, e não tardaria a pagar o preço de sua falha. Em um momento no qual os romanos trabalhavam despreocupados, hordas de gauleses, saindo dos bosques, iniciaram o combate, atraindo os oponentes para uma área em que era densa a vegetação. Em consequência, o exército de César sofreu baixas consideráveis, ainda que o mesmo tenha sucedido aos gauleses.
Por entender que a soldadesca teria mais sucesso se lutasse em campo aberto, César deu ordem para que desbastassem os bosques, tendo o cuidado de empregar a madeira deles retirada na construção de obstáculos que impedissem qualquer tentativa de um ataque de surpresa. 
Tudo resolvido? Longe disso.
É verdade que os romanos já davam a pilhagem como coisa garantida, mas os gauleses, espertamente, buscaram refúgio em meio ao mais remoto e sombrio arvoredo. Para complicar a situação, sobrevieram chuvas torrenciais, que contribuíram para inviabilizar a sobrevivência dos romanos em seu acampamento de verão. Ao perceber que a vitória completa era impossível naquele momento, César, que já adotara a prática pouco ecológica de arruinar os bosques, ordenou que os campos de cultivo das adjacências fossem inutilizados, sem que fosse esquecido o procedimento tão comum nas guerras da Antiguidade de colocar fogo em toda e qualquer construção (³) que houvesse pela frente. Depois disso, por não estar disponível melhor solução, conduziu seu exército para os quartéis de inverno. Não seria dessa vez que os audaciosos gauleses seriam completamente batidos.

(1) 100 a.C. - 44 a.C.
(2) Não, leitores, não era aquela famosa vilazinha...
(3) Casas, celeiros e estábulos.


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4 comentários:

  1. A guerra, desde sempre, sempre teve um propósito: vencer, custasse o que custasse. Os danos seriam avaliados depois, com o conforto do poder a tiracolo.

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    1. Concordo: não há guerra que não acarrete danos, tanto para derrotados como para vencedores.

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  2. Esse costume dos exércitos pilharem tudo na sua passagem e queimarem o que não pudessem comer, nomeadamente plantações inteiras, deixando aldeias inteiras à mercê da fome, é uma das facetas mais tristes da guerra.
    Hoje os gestos são outros mas a Humanidade não evoluiu muito, infelizmente.

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    1. Não mesmo. Mudam os métodos, os objetivos sinistros permanecem.

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