terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Dois europeus entre os tupinambás no Século XVI

Indígenas que viviam junto ao mar e a chegada de embarcações europeias,
de acordo com ilustração publicada na edição 
de 1557 de Zwei Reisen nach Brasilien

Hans Staden e Jean de Léry foram dois europeus que, no Século XVI, viveram entre os tupinambás, indígenas que habitavam áreas do litoral brasileiro.
Staden, alemão, depois de algumas aventuras entre marinheiros na costa do Brasil, foi contratado como artilheiro de um pequeno forte português. Caiu prisioneiro dos tupinambás, e, por isso, já se vê que sua permanência entre eles não foi voluntária. Por muito pouco não foi devorado em um festim antropofágico. De volta à Europa, publicou um livro conhecido como Zwei Reisen nach Brasilien (¹), cujo longuíssimo título da primeira edição deixava claro o teor da obra:  "História verdadeira e descrição de uma terra de selvagens nus, ferozes e devoradores de homens"...
O caso de Jean de Léry é bem diferente. Francês, veio ao Brasil para viver na colônia que protestantes tentavam fundar no litoral do Rio de Janeiro. A colônia fracassou, mas Léry, que assim como Hans Staden, retornou à Europa, publicou um livro muitos anos depois, ao qual deu o título de Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil (²). Como os franceses andavam em boa paz com os tupinambás, Léry pôde viver tranquilamente entre eles, sem que seu relato fosse afetado pela sensação de medo inerente a quem corria o risco de, a qualquer momento, ser abatido para o jantar, como era o caso de Staden. Apesar disso, ambos os autores concordam na maioria dos pontos que descrevem em relação aos hábitos e costumes dos indígenas com quem, voluntariamente ou não, conviveram.
Sabemos, assim, que os tupinambás praticavam uma agricultura rudimentar; quando ao estabelecimento de aldeias, deveriam ser considerados seminômades, porque, quando esgotavam os recursos alimentares que podiam ser obtidos mediante a caça e a coleta, construíam novas habitações em um lugar não muito distante daquele que ocupavam (meia légua, quando muito, segundo Léry). A construção de novas casas era, além disso, uma necessidade, já que os materiais empregados habitualmente não eram muito duráveis.
Por outro lado, o fato de que Jean de Léry podia andar com liberdade entre os tupinambás favoreceu a obtenção de informações detalhadas quando ao quotidiano dos indígenas: tinham por hábito guardar estrito silêncio durante as refeições, que nunca eram acompanhadas da ingestão de líquidos; se desejavam manifestar grande respeito por alguém, jamais comiam em sua presença. Parece estranho? Talvez, e até mesmo o oposto do que pode ser dito em relação a muitas outras culturas - sem esquecer que os tupinambás eram também adeptos da famosa choradeira quando alguém retornava de uma viagem, fenômeno já mencionado em outra postagem neste blog.
Então, leitores, não há dúvida de que os registros feitos por Hans Staden e Jean de Léry são, ainda hoje, de muito interesse, até porque, como não estavam sujeitos às implicâncias e à censura do Desembargo do Paço e da Inquisição, foram escritos com uma liberdade da qual os autores portugueses contemporâneos não desfrutavam.

(1) Duas Viagens ao Brasil.
(2) História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil.


Veja também:

2 comentários:

  1. Interessante, muito interessante mesmo...!
    E assim, com tupinambás e invasores de outras latitudes, se formou o Brasil, mescla com origem em vários continentes. Uma história com muita cor, uma história com muita dor.

    Abraço

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    1. O curioso é que os tupinambás também se reconheciam como invasores, e tinham muito orgulho disso: haviam tomado o lugar de outros que, antes deles, já viviam ao longo do litoral brasileiro. Pelo menos é o que sabemos por relatos de europeus que viveram entre eles no Século XVI. Infelizmente, os tupinambás, que não tinham escrita, não deixaram seus próprios registros.

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