quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Deuses gregos não gostavam de gente preguiçosa

Consequências da ociosidade entre povos antigos


Está em Os Trabalhos e os Dias, de Hesíodo, poeta grego que, presume-se, viveu entre os séculos VIII e VII a.C.:
"Os desocupados são detestados tanto pelos deuses como pelos homens; são parecidos com os zangões que não têm ferrão, não trabalham e ainda se alimentam do produto do trabalho das abelhas. [...] Deuses e homens odeiam preguiçosos. É a ociosidade, e não o trabalho, que torna alguém vil." (*)
Convenhamos, leitores, que a opinião é compreensível, já que a ideia de Hesíodo era dar conselhos para que agricultores fossem bem-sucedidos em suas tarefas. Não sei, porém, se os deuses gregos teriam autoridade moral para censurar a preguiça (de que é, mesmo, que eles se ocupavam no Olimpo?); mas, antes de seguir em frente, será preciso fazer justiça aos zangões. É fato que não têm ferrão e que não são capazes de produzir mel e cera - sua principal função está relacionada à reprodução da espécie a que pertencem. Todavia, colaboram na defesa da colmeia, o que não é pouco. Finalmente, é justo reconhecer que os zangões são assim porque nascem assim, não escolheram ser desse modo - situação muito diferente, portanto, daquela dos humanos preguiçosos, que até poderiam ser outra coisa, mas não querem.
O que Hesíodo não tinha como prever é que, em diferentes civilizações, os seguidos triunfos militares, que acarretaram escravização em massa de inimigos vencidos, levariam o trabalho a ser visto, na mentalidade dominante, como algo reservado a cativos e, portanto, indigno de cidadãos livres. A ociosidade logo seria valorizada e, mais que isso, ambicionada. Ainda que esse fenômeno tenha ocorrido na Grécia, dificilmente haverá melhor exemplo que o de Roma Antiga.
Não é sem causa que vários autores dos séculos imperiais fizeram referências saudosas aos primeiros tempos da Cidade, quando mesmo os reis eram agricultores e, quer manejando a espada, quer o arado, eram sempre eficientes. A avalanche de escravos gerou ócio e desemprego, daí as revoltas sociais e a necessidade de políticas de entretenimento e de distribuição de trigo para os que não tinham ocupação. Em longo prazo, ainda que não isoladamente, esse grande erro resultou em declínio e queda do Império. Vejam, pois, que, seja no âmbito pessoal ou nas questões de Estado, preguiça e falta de ocupação nunca produziram coisa muito boa. Ainda que não devessem ser imitados, os deuses gregos tinham lá sua quota de razão.

(*) O trecho citado de Os Trabalhos e os Dias é tradução de Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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