"Que é a atribuição de vícios aos deuses, que não um modo de incentivar sua prática e dar a eles uma desculpa aceitável?"
Sêneca, De brevitate vitae
Não se irritem com o título, leitores: tenho o direito de bulir com as palavras. Na mitologia grega, Hera era casada com Zeus (¹). Esse casal olímpico estava, porém, muito longe de ser um exemplo de felicidade conjugal: Zeus era descrito na mitologia como um incansável adúltero, e Hera (talvez por consequência), como uma ciumenta incorrigível. Que poderia resultar disso? Para os antigos gregos, cada vez que uma grande calamidade natural acontecia - um terremoto, por exemplo - era porque, lá no Olimpo, Zeus e Hera estavam discutindo...
Uma dentre muitas lendas associadas a esse casal briguento fazia menção à ilha de Lemnos, que se acreditava ser o local dos fornos que Hefestos (²) usava para trabalhos em metalurgia, arte em que era perito. Acontece que Hefestos, vendo Hera, sua mãe, ser maltratada por Zeus, que a havia pendurado no céu com uma corrente de ouro, resolveu agir, libertando-a. Em consequência, recebeu um horrendo pontapé de Zeus, suficiente para que fosse arremessado em Lemnos. Ao cair, teve uma perna fraturada e, por isso, mancava continuamente. Outras versões, igualmente antigas, tinham explicações diferentes para o problema de Hefestos.
Vejam, leitores: não é improcedente a ideia de que, na Antiguidade, havia aqueles que colocavam suas próprias características nos deuses que cultuavam. Em alguns episódios da mitologia, divindades olímpicas não eram exemplos do que havia de mais virtuoso entre os homens. De qualquer modo, Hera também foi reverenciada pelos gregos como a deusa da fidelidade conjugal. Seu templo mais célebre era o de Argos, no Peloponeso.
(1) Em Roma, Juno e Júpiter, respectivamente, ainda que a correspondência entre divindades gregas e romanas seja algo discutível.
(2) Vulcano, para os romanos.
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