Quem vivia em São Paulo no Século XVI criava porcos junto ao muro da vila
A pequena São Paulo de Piratininga foi, nos tempos coloniais, famosa por seus "grandes capados", como disseram autores da época. Agora, digam-me, leitores: Onde vocês acham que os moradores de São Paulo criavam porcos? Ah, dirão, em chiqueiros, naturalmente!... Sim, em chiqueiros, mas a questão é: Onde ficavam os ditos chiqueiros?
Uma ata da Câmara de São Paulo, tendo a data de 4 de fevereiro de 1575, nos informa que, só para variar, a povoação estava às voltas com a ameaça de um ataque. Portanto, foram deliberadas providências para a defesa da vila, que incluíam consertar o muro (mais uma vez) e mudar os chiqueiros de endereço.
Vamos ao documento:
"Requereu o [...] procurador que João Anes, Domingos Roiz e Manoel [Félix?] tinham nos muros desta vila aberto buracos e portas nos ditos muros, que eram grande prejuízo e podiam cair os ditos muros, que suas mercês lhes mandassem notificar com séria pena que os tapassem dentro de certo tempo, ao que os senhores oficiais responderam e mandaram a mim, escrivão, que notificasse aos sobreditos que dentro [...] de um mês eles tapassem as ditas taipas de taipas de pilão, com pena de quinhentos réis [...]."
Informo, de passagem, que as vírgulas foram acrescentadas por mim, para tornar o [dito] documento minimamente compreensível (¹). Prossigamos, pois, com a [dita] ata de 4 de fevereiro de 1575:
"Requereu mais o dito procurador do conselho aos ditos senhores oficiais que nesta vila havia pessoas que tinham chiqueiros de porcos e casas para eles arrimados aos muros desta vila, que eram grande prejuízo, porque sucedendo alguma guerra, pelos ditos chiqueiros podiam subir os contrários. [...] lhes requeria da parte de el-Rei (²) lhes mandasse notificar ou apregoar que os tirassem donde estavam e os fizessem apartados dos ditos muros três braças, ao que os ditos oficiais responderam e mandaram que fosse apregoado que qualquer pessoa que tivesse chiqueiros nesse lugar os tirasse dali dentro de dois meses do dia do pregão para diante, com pena de duzentos réis para o conselho e mandaram que se fizesse dito termo."
Cabe aqui, creio, a explicação de que braça é uma medida antiga equivalente a 2,2 metros. Portanto, as três braças dariam 6,6 metros - era essa a distância que deveria ser guardada entre os chiqueiros e o muro de taipa que protegia a vila.
A ata não diz se os porcos residiam dentro ou fora dos muros, mas é razoável supor que fosse do lado de fora, e não apenas por razões aromáticas. É que os chiqueiros e abrigos cobertos para os animais somente facilitariam aos "contrários" o acesso ao muro se estivessem localizados externamente. Admitindo que fosse esse o caso, as portas (ou buracos) abertos no muro tinham a provável finalidade de facilitar as idas e vindas de quem cuidava dos animais. Portanto, os dois requerimentos apresentados pelo procurador talvez se resumissem em uma coisa só.
E quem eram, afinal, os "contrários", cujo ataque se esperava, justificando a imposição de multas para obrigar à conservação do muro? Eram indígenas, com toda certeza. Alvo contínuo das provocações dos moradores de São Paulo, faziam-se temidos pela possibilidade de uma desforra. Se assim acontecesse, era melhor, no raciocínio dos oficiais da Câmara, que o muro estivesse em boas condições, livre de buracos, de chiqueiros e de porcos.
(1) Tentem ler o texto suprimindo as vírgulas...
(2) Seria interessante saber se sua majestade alguma vez teve ciência dos problemas relacionados à manutenção do muro e aos chiqueiros da Vila de São Paulo.
A isto se chama, a política dos porcos.
ResponderExcluirP.S. uma vírgula no sítio certo salva uma vida
Haha, pode ser... rsrsrssssssssss
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