sexta-feira, 13 de maio de 2016

Encontro das águas


No diário de Francisco José de Lacerda e Almeida, astrônomo que participou, no Século XVIII, da demarcação de limites entre terras de Portugal e Espanha na América do Sul, pode ser encontrado este registro, datado de 4 de outubro de 1780:
"Saímos com o rumo de SO, e tendo navegado três léguas chegamos à boca do Rio Negro, e como as suas águas são pretas e as do Amazonas [Solimões] brancas ou barrentas, fazem estes dois rios na sua junção uma grande separação de águas."
Lacerda falava, já se vê, do chamado "encontro das águas" dos rios Negro e Solimões, que ocorre não muito longe de Manaus. Por uma distância considerável, as águas conservam a separação, num espetáculo grandioso, como é quase tudo o que se relaciona à Amazônia.
No Século XVIII, presenciar o encontro das águas ainda era para poucos. No centênio seguinte, a exploração da borracha favoreceu o nascimento e/ou crescimento de núcleos de povoação, e, neles, estudiosos que queriam conhecer a região achavam pontos de apoio mais favoráveis, como ocorreu com o casal Agassiz, que por lá passou em 1865. Nessa oportunidade, Elizabeth Cary Agassiz registrou em seu diário de viagem:
"Ontem pela manhã [5 de setembro], entramos no rio Negro e observamos o conflito de suas águas calmas e quase pretas com as ondas amareladas e apressadas do Solimões, como é denominado o médio Amazonas. Os índios chamam-nos admiravelmente "o rio vivo e o rio morto"." (¹)
Do começo do Século XX vem ainda esta outra descrição do encontro das águas, escrita por Aníbal Amorim:
"Estava-se na época das enchentes máximas de todos os formadores amazônicos. O Solimões e o rio Negro transbordavam. Quando o vapor entrou na embocadura deste último rio e os meus olhos puderam ver o encontro solene das águas dos dois gigantes, senti uma profunda emoção, diante do grandioso daquele espetáculo." (²) 
A exploração do látex trouxe prosperidade transitória à região. Em 1909, Aníbal Amorim observava que "Manaus de agora já não é Manaus de dez anos atrás" (³). É verdade, leitores, questões econômicas têm feito a região amazônica oscilar entre a euforia e a depressão, como a população local, se interrogada, não tarda em atestar e dar exemplos. A despeito disso, a natureza estupenda segue seu ritmo que  parece imutável. O encontro das águas continua tão belo e impressionante como visto pelo astrônomo Lacerda em 1780, pelos Agassiz em 1865 e por Aníbal Amorim em 1909.


(1) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 193.
(2) AMORIM, Aníbal. Viagens Pelo Brasil. Rio de Janeiro / Paris: Garnier, s.d., p. 150.
(3) Ibid., p. 153.


Veja também:

4 comentários:

  1. A América (neste caso o Brasil) foi, para os europeus, um abrir de horizontes em relação ao mundo. Pena nunca despirem o papel de "donos da verdade".

    Uma boa semana :)

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    1. Há "donos da verdade" em quase qualquer lugar deste mundo. O pior é que, invariavelmente, cada um deles tem seu bando de seguidores, gente que, com preguiça de usar a própria cabeça, abdica desse direito e passa a expressar as ideias dos supostos líderes.

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  2. :))
    Creio que não percebeu o contexto do meu comentário, Marta. Quando os europeus aí chegaram levavam a sua verdade, a verdade dos vencedores, em detrimento da verdade de quem lá vivia. Há quem diga que a História mais não é que a verdae dos vencedores. Será?

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    1. Hmmm, é por isso que, nós, historiadores, trabalhamos para dar voz aos vencidos rsrsrsssss (pelo menos, tentamos).

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